Terrorismo em Alcochete: “Decisão judicial é absolutamente inédita”
Todos os 44 arguidos acusados pelo Ministério Público no processo do ataque à Academia do Sporting, em Alcochete, vão a julgamento.
José Manuel Anes, membro do conselho consultivo do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, considera “absolutamente inédita” a decisão do juiz de instrução criminal Carlos Delca que determinou que todos os arguidos do ataque à academia do Sporting em Alcochete sejam julgados por terrorismo, entre outros crimes.
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José Manuel Anes, membro do conselho consultivo do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, considera “absolutamente inédita” a decisão do juiz de instrução criminal Carlos Delca que determinou que todos os arguidos do ataque à academia do Sporting em Alcochete sejam julgados por terrorismo, entre outros crimes.
“Existe algum país no mundo em que os acusados de terrorismo vão para casa com apresentações periódicas?”, questiona o professor, para quem esta decisão constitui “um verdadeiro disparate. Surpreende-me que juristas que já demonstraram competência em várias áreas tenham feito isto. Eu, que dou aulas, chumbava-os nesta cadeira”, observa José Manuel Anes.
Em causa está a actual redacção da lei que regula o combate ao terrorismo, que abriu a porta à possibilidade de punir por este tipo de crime não apenas quem aderiu a organizações terroristas e praticou crimes em seu nome como também criminosos que à primeira vista parecem ter cometido delitos mais comuns. Um experiente jurista contactado pelo PÚBLICO admite ser polémica a aplicação da lei a casos como os de Alcochete.
Segundo o texto legal, pode ser considerada associação terrorista “todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e independência nacionais, impedir ou subverter o funcionamento das instituições do Estado (...) ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral”. Através de crimes contra a vida, detalha o diploma legal, mas também contra a integridade física ou a liberdade das pessoas, por exemplo.
“A sociedade atribui ao crime de terrorismo uma intenção meramente ideológica ou religiosa, porque é o mais comum. No entanto, da letra da lei não resulta que seja necessário praticar o crime com esse intuito”, explica por seu turno Catarina Sengo Furtado, mestre em Direito e autora de uma tese sobre este tipo de fenómeno. Embora entenda que aquilo que se passou na academia do Sporting possa, em abstracto, enquadrar-se no actual conceito legal de terrorismo, a jurista admite o inédito da questão. “Na verdade não tenho presente que tenha ocorrido uma situação semelhante”, concorda, ressalvando que não conhece o processo.
“Este preceito legal nunca tinha sido aplicado desta forma”, corrobora o jurista contactado pelo PÚBLICO. “É inédito, e pode suceder que os juízes ainda venham a alterar a qualificação jurídica do crime na fase de julgamento”, equaciona. “Mas inédito foi também o que sucedeu em Alcochete. Este tipo de violência nunca tinha sucedido no desporto. Não existe nenhum caso de uma equipa de futebol atacada desta forma por uma claque”.