Houve tiros no dia em que se assinou a paz em Moçambique

Filipe Nyusi e Ossufo Momade assinaram o acordo de paz na Gorongosa, na mesma província de Sofala onde homens armados atacaram um autocarro e um camião fazendo dois feridos.

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O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e o líder da Renamo, Ossufo Momade ANDRE CATUEIRA/EPA

A paz, mesmo assinada, por vezes prossegue no domínio das intenções. E em Moçambique, o terceiro acordo de pacificação do país, esta quinta-feira subscrito pelo Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e pelo líder da Renamo, Ossufo Momade, permanece marcado pela incerteza. O ataque a tiro contra um autocarro e um camião, horas antes da cerimónia na Gorongosa, província de Sofala, pode não ter causado mortos, mas deixou feridos, chapa esburacada e acentuou os temores, num dia que devia ser de esperança pelo futuro de Moçambique.

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A paz, mesmo assinada, por vezes prossegue no domínio das intenções. E em Moçambique, o terceiro acordo de pacificação do país, esta quinta-feira subscrito pelo Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e pelo líder da Renamo, Ossufo Momade, permanece marcado pela incerteza. O ataque a tiro contra um autocarro e um camião, horas antes da cerimónia na Gorongosa, província de Sofala, pode não ter causado mortos, mas deixou feridos, chapa esburacada e acentuou os temores, num dia que devia ser de esperança pelo futuro de Moçambique.

Homens armados atacaram na quarta-feira um autocarro de passageiros e um camião em Nhamapadza, também na província de Sofala, centro de Moçambique, ferindo o motorista e o ajudante de um dos veículos, noticiou a Lusa citando testemunhas. O camião lá ficou, à beira da estrada, já não seguindo viagem, ao contrário do autocarro, que escapou do ataque apenas com as marcas das balas.

“A Renamo não tem conhecimento dos autores dessa acção, mas sabe que o Grupo de Verificação de Cessação das Hostilidades militares está a trabalhar para a identificação dos autores”, disse à mesma agência o secretário-geral da Renamo, André Majibire.

A zona foi cenário de vários ataques contra veículos e de confrontos entre guerrilheiros da Renamo e soldados das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique entre 2013 e 2015, altura em que o então líder histórico do maior partido da oposição moçambicano, Afonso Dhlakama (falecido em Maio do ano passado), se refugiou na zona da Gorongosa, protegido pelos seus homens armados.

Existe dentro da Renamo quem não queira esta paz, por não reconhecer a liderança de Momade, por não estar de acordo com os termos do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração, iniciado na segunda-feira. E use o argumento das armas.

Os guerrilheiros descontentes, liderados pelo major-general Mariano Nhungue, criaram uma junta militar da Renamo e ameaçaram retomar a via das armas. Deram um ultimato até 15 de Julho a Ossufo Momade, a quem acusam de conluio com o Governo e de estar próximo dos serviços secretos do Estado (a decisão de regressar a Maputo no avião de Nyusi deverá dar outra acha a quem alimenta essa fogueira), para que abandone voluntariamente a direcção do partido e consideram que o actual documento trai o espírito dos acordos de paz assinados por Dhlakama em 1992 e 2014.

“Se o Governo não souber resolver este problema, há guerra aqui em Moçambique”, disse na semana passada à Lusa o major-general Mariano Nhungue. O líder da junta militar advertiu que qualquer tentativa de marginalização do grupo irá “colocar em causa a democracia”.

Apesar de ainda não se saber quem levou a cabo o ataque de Nhamapazda, muitos em Moçambique terão associado as ameaças dos desalinhados da Renamo e o incidente. E haverá quem tenha ouvido as palavras de Momade, depois da assinatura do Acordo para a Cessação Definitiva das Hostilidades, com menos certezas: “Queremos garantir ao nosso povo e ao mundo que enterramos a lógica da violência como forma de resolução das nossas diferenças.”

Moçambique tem um calendário preenchido nos próximos meses, com visita do papa Francisco em Setembro e eleições em Outubro e, pelo meio, uma campanha eleitoral para um processo de escrutínio que estreia a escolha em sufrágio universal dos 11 governadores de província, até aqui designados pelo chefe de Estado.

Com a tranquilidade do acordo de paz perturbada pelos tiros de Nhamapazda, como sair aquietado do discurso do dirigente da Renamo? “Queremos enterrar a cultura da violência e da falta de aceitação do outro, a negação das liberdades e dos direitos fundamentas dos moçambicanos”, disse Momade.

No campo de futebol onde se instalaram o palco e as cadeiras para os discursos depois da assinatura, o presidente Nyusi fez questão de sublinhar que “a Gorongosa já não está associada à violência”, o que, parecendo um elogio, não deixa de ser uma crítica velada, sendo a região maioritariamente apoiante da Renamo.

“O acto que acabamos de assinalar mostra o nosso compromisso com a paz definitiva e duradoura”, explicou Nyusi, sublinhando que neste “dia 1 de Agosto nasceu uma nova criança”, um dia histórico “em que os moçambicanos disseram basta aos conflitos militares”.

Joaquim Chissano, o antigo chefe de Estado, sabendo como se falou em paz depois de 1992 e de 2014 e aqui estão os moçambicanos, em 2019, a ver outro documento assinalado como definitivo proclamando a pacificação, colocava pozinhos de realismo no entusiasmo, em declarações à Rádio Renascença: “Não sei se à terceira é de vez, mas isto tem de ser alimentado, nunca se deve confiar demasiado, é preciso alimentar. O diálogo deve continuar para a verdadeira reconciliação.”