Comissão defende novo referendo à regionalização e criação de regiões administrativas
O relatório defende que “apenas a descentralização administrativa (criação e instituição de regiões administrativas) permite responder de forma integrada” a objectivos como racionalizar o processo de tomada de decisões organizativas e aprofundar a democracia.
A Comissão Independente para a Descentralização defende a criação de regiões administrativas em Portugal, para o que prevê a realização de um novo referendo, segundo um relatório entregue na terça-feira na Assembleia da República.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Comissão Independente para a Descentralização defende a criação de regiões administrativas em Portugal, para o que prevê a realização de um novo referendo, segundo um relatório entregue na terça-feira na Assembleia da República.
A comissão, liderada pelo antigo ministro socialista João Cravinho, foi criada em 2018, na dependência da Assembleia da República, para “promover um estudo aprofundado sobre a organização e funções do Estado aos níveis regional, metropolitano e intermunicipal” em Portugal continental e centrou a sua análise “nos níveis compreendidos entre a administração central e os municípios e freguesias”.
No relatório, o organismo salienta que, “nos últimos anos, o grau de centralismo das decisões públicas em Portugal acentuou-se de forma significativa, com a crescente debilitação das entidades da administração central presentes nas regiões”, o que “tem elevados custos do ponto de vista da eficácia, eficiência e equidade das políticas e da provisão de serviços aos cidadãos e às empresas”. Por outro lado, alimentou “um perigoso sentimento de abandono por parte de populações que se sentem esquecidas e cada vez mais longe de decisores políticos”.
Daí que, depois de analisados os argumentos a favor e contra a regionalização, defenda que “apenas a descentralização administrativa (criação e instituição de regiões administrativas) permite responder de forma integrada” a objectivos como racionalizar o processo de tomada de decisões organizativas, aprofundar a democracia e a governação democrática, políticas públicas mais ajustadas à diversidade territorial existente e melhoria da prestação de serviços públicos aos cidadãos.
A comissão considera que o processo deve iniciar-se com o referendo previsto na Constituição, mas defende “o seu aperfeiçoamento”, suprimindo a necessidade da “segunda pergunta, de alcance regional, no sentido de eliminar a possibilidade de flagrante enviesamento antidemocrático”. Em 1998, o “não” ganhou o referendo à criação de regiões e a Constituição obriga à realização de nova consulta para a sua concretização.
Para o grupo, “o mapa das regiões administrativas deve coincidir com as actuais regiões de planeamento, por razões de conhecimento acumulado, continuidade e custos menos elevados”, mas acautela que “um mapa com regiões mais pequenas, algumas das quais localizadas exclusivamente no interior, não garante que todas tenham, já hoje e sobretudo no futuro, a escala e a massa crítica necessárias para poder cumprir com eficácia e eficiência a sua missão”.
“A comissão defende que, assim que possível, se deve assegurar que as regiões administrativas coincidem com uma NUTS II ou com uma agregação de NUTS II, permitindo resolver as situações disfuncionais actualmente existentes entre regiões-plano e NUTS II”, refere no documento, sublinhando, contudo, estar “consciente de que o mapa proposto, sendo o mais adequado e consensual, levanta questões que devem ser levadas em consideração e acauteladas”, como “factores identitários de base histórica e cultural”, equilíbrio entre “interesses e as prioridades” de sub-regiões vizinhas e a fragmentação artificial de sistemas naturais, como as bacias hidrográficas, por exemplo.
Por isso, realça que os processos de descentralização e desconcentração a favor dos níveis da administração de âmbito regional e sub-regional em Portugal continental “não podem ser concebidos e concretizados como se o país fosse internamente homogéneo”, e devem ter em conta as assimetrias e a diversidade de âmbito regional existentes no país.
O processo de criação de regiões administrativas proposto “é gradual, programado, faseado e com metas de transferência de atribuições e competências para as regiões administrativas, sujeito a uma permanente monitorização e avaliação”.
É apresentado um cronograma de execução referencial com os passos legislativos necessários para este processo, desde a consulta referendária até às primeiras eleições, que recomenda “que sejam fixadas com uma antecedência mínima de 120 dias”, e à “necessidade de comissões instaladoras, que cessarão as suas funções com a posse dos titulares dos órgãos”.
Banco de desenvolvimento regional, precisa-se
A criação de um banco de desenvolvimento regional é uma das recomendações da Comissão Independente para a Descentralização, que defende também a constituição de um grupo de trabalho interministerial para a reforma da administração desconcentrada do Estado.
Na última parte do “sumário executivo” do relatório, entregue na terça-feira ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e ao chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, a comissão considera “imprescindível a criação de instrumentos inovadores” para atrair recursos externos a cada região, recorrendo a novos métodos de promoção do investimento para a expansão das empresas e atracção de novas, que criem postos de trabalho sem precariedade. Contudo, é referido no relatório que “as tendências recentes da banca nacional não favorecem o desenvolvimento de actividades promocionais viradas para o médio/longo prazo”. Assim, é proposta a criação de um banco de desenvolvimento regional para apoiar o desenvolvimento tecnológico, a competitividade de empresas que reforcem o desenvolvimento económico regional e do país, bem como infra-estruturas e equipamentos complementares, defendendo-se que tal instituição financeira deve ser directa e integralmente detida pelo Estado, mas excluída do “perímetro da administração pública, obedecendo às exigências do Eurostat, com relativa autonomia de decisão expressa no modelo de governança e elevados padrões éticos”.
O banco de desenvolvimento regional deve ser dotado de um capital social de três mil milhões de euros (1,5% do Produto Interno Bruto), montante necessário para apoiar o desenvolvimento da instituição nos primeiros cinco anos de actividade. E deve actuar como “banco de missão” nas áreas apoiadas pelo Fundo InvestEU da Comissão Europeia, nomeadamente Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico (I&D), inovação e digitalização, pequenas e médias empresas, e infra-estruturas sustentáveis. Deve adoptar como referência o Scottish National Investiment Bank e o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD, que João Cravinho liderou entre 2007 e 2011) e, ao fim dos primeiros cinco anos, deverá ser feita uma apreciação da actividade desenvolvida, da eficácia do financiamento e das necessidades futuras de capital.
Relativamente à desconcentração e deslocalização dos serviços públicos, a comissão alerta que se trata de uma matéria vasta que deve ser analisada pelo Governo, “dada a orgânica própria de cada ministério e a necessidade de assegurar a continuidade dos serviços públicos e do acesso a esses serviços sem perturbações por parte da população, das instituições e das empresas”. “Nesse sentido, a comissão recomenda a criação, na dependência directa do primeiro-ministro, de um grupo de trabalho interministerial para a reforma da administração desconcentrada do Estado, que no início de cada legislatura deve apresentar propostas sobre a matéria de desconcentração e deslocalização”, lê-se no sumário do relatório.
A comissão alerta ainda para a necessidade de assegurar “de forma coerente a presença do Estado no território” e defende a adequação da área geográfica de actuação dos organismos desconcentrados às fronteiras propostas para as regiões administrativas. “A comissão recomenda também a devida articulação dos processos de desconcentração e deslocalização com a implementação das regiões administrativas, sendo que aqueles processos deverão ocorrer após a decisão relativa aos locais das sedes dos respectivos órgãos”, lê-se no sumário do relatório.