Creche e ATL geridos pela junta do Centro Histórico do Porto vão fechar
Numa conferência de imprensa histórica, PS, PSD, BE e CDU juntaram-se para questionar futuro dos equipamentos socio-educativos autárquicos. Presidente da junta diz que custos eram incomportáveis e atira responsabilidades para o Governo.
A única creche gerida pela união de junta de freguesia do centro histórico do Porto vai fechar no próximo ano lectivo e os dois ATL que ainda funcionaram este ano, os da Torrinha e da Praça Carlos Alberto, não vão aceitar novas inscrições por terem entrado num processo de “descontinuação”. Dentro de quatro anos, no máximo, deixarão de existir também.
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A única creche gerida pela união de junta de freguesia do centro histórico do Porto vai fechar no próximo ano lectivo e os dois ATL que ainda funcionaram este ano, os da Torrinha e da Praça Carlos Alberto, não vão aceitar novas inscrições por terem entrado num processo de “descontinuação”. Dentro de quatro anos, no máximo, deixarão de existir também.
A situação gerou uma quase histórica união entre as forças políticas da oposição – PS, PSD, BE e CDU –, que convocaram uma conferência de imprensa para manifestar “profunda preocupação com a possibilidade de diminuição das valências dos equipamentos socio-educativos, fundamentais para numerosas famílias” da zona. Minutos depois dessa declaração, o presidente da junta, António Fonseca, assumia perante os jornalistas que esse seria, de facto, o caminho. A argumentação, de um lado e outro, mostra profundas fracturas e desacordos. E versões diferentes da realidade.
A postura de António Fonseca – disse em uníssono esta espécie de “geringonça” – mostra o “menosprezo e deselegância” com que um grupo de trabalho criado para acompanhar este tema tem sido tratado. Estes eleitos falam num “boicote” à assembleia de freguesia, “ética e politicamente inaceitável”, já que as políticas do presidente eleito pelo movimento de Rui Moreira contrariam a vontade da maioria.
Essa “insegurança” quanto à manutenção dos equipamentos, recordou Carlos Sá, da CDU, é já “recorrente na freguesia”. Dolores Osório, mãe de uma criança que transitou agora para o terceiro ano e frequenta o ATL de Carlos Alberto, esteve há cerca de um ano numa manifestação por causa do mesmo tema. “As inscrições deviam ter sido abertas em Junho”, disse, “os pais precisam de saber onde vão ter os filhos”. Ainda sem saber da decisão já tomada pelo presidente da junta, Dolores Osório recuava para contar que no ano anterior as inscrições tinham sido abertas apenas a 1 de Agosto. Por essa altura, argumenta, já muitos pais se tinham visto obrigados a procurar uma alternativa num privado ou numa IPSS.
Feitas as contas na conferência de imprensa – onde, além de Carlos Sá, esteve Mário Moutinho (BE), Fernando Oliveira (PS) e Nelson Nascimento (PSD) –, frequentam estes três espaços 66 crianças. Mas a capacidade das estruturas é muito superior, alegam, dizendo que também o lucro poderia ser maior. Mas os custos e exigências de recursos humanos são perguntas feitas a António Fonseca para as quais dizem nunca ter obtido resposta. Certo é que recomendações e deliberações votadas por maioria a 27 e 28 de Junho decidiam a manutenção destes equipamentos e a reabertura do ATL da Constituição. E isso não irá acontecer.
Na sala de António Fonseca, no mesmo edifício, a comprida mesa de reuniões está preenchida com fotocópias de notícias de jornais. O presidente da junta quer com eles fazer prova de uma luta pela manutenção da creche e dos ATL do centro histórico. Se tal deixou de ser economicamente viável, diz, a responsabilidade é do Governo que não teve força para reverter a lei de 2014, que acabou com o apoio dado pela Segurança Social às juntas, para estes fins. “Estou disponível para abrir os ATL e a creche se houver uma promessa de que mudam a lei”, desafiou.
A matemática é argumento objectivo. Em números redondos, a creche O Miminho tem um custo anual de 207 mil euros e uma receita de 17 mil, o ATL da Torrinha custa 89 mil euros e dá oito mil de receita, o de Carlos Alberto custa 59 mil e dá 4,6 mil de receita. Ou seja, nas contas de António Fonseca, os prejuízos serão na ordem dos 325 mil euros por ano.
Valores que soariam estranhos à presidente da Associação de Pais da Torrinha recentemente eleita, Susana Fernandes, que minutos antes, em conversa com o PÚBLICO, sublinhava os baixos custos da manutenção deste ATL. A única despesa é a de quatro funcionárias que trabalham duas horas por dia. Opção política? Acima de tudo “há falta de cumprimento da lei”, responde Susana Fernandes, referindo-se a uma decisão contrária ao votado em assembleia de freguesia.
Para o presidente da junta a conferência de imprensa desta quarta-feira é meramente uma tentativa de “prova de vida” da oposição. As famílias, reitera, podem ficar descansadas: na união de freguesias, há 24 IPSS com creche e ATL em funcionamento e a Segurança Social garantiu, em resposta a um email da junta, que é o suficiente para responder à procura.
Faltam receitas, queixa-se Fonseca
Fechadas as estruturas, os trabalhadores vão ser “redistribuídos” por outros departamentos da junta: “Ninguém vai ser despedido”, jurou António Fonseca. Neste momento, a junta está a negociar o arrendamento do espaço onde funciona a creche O Miminho a uma IPSS a funcionar num local sem condições. As instalações do ATL de Carlos Alberto vão ser utilizadas para pôr em funcionamento a “biblioteca das coisas”, um dos projectos apoiados pelo orçamento colaborativo do município do Porto, e uma biblioteca infantil, devendo o restante espaço ser “rentabilizado”. No caso do ATL da Torrinha esse assunto não se coloca, uma vez que este funciona dentro da escola primária, uma estrutura camarária.
As juntas de freguesia, assume António Fonseca, debatem-se com falta de verbas. Com a actualização de salários, diz, terão este ano um encargo extra com pessoal de 75 mil euros. E continuam a não ter receitas das licenças de esplanadas, a não lucrar com “feirinhas”, e ainda, a sentir a falta de um espaço lucrativo como um cemitério: “Tenho alguma inveja [de outras freguesias que têm essa receita]”, gracejou. E a quem se atribui essa responsabilidade? “A Porto Lazer roubou receitas às juntas de freguesia”, responde, criticando uma decisão de 2014 firmada pelo movimento dito independente pelo qual foi eleito.