Governo pede parecer à PGR sobre negócios de familiares de governantes com o Estado
O Executivo considera que interpretação da lei que diz que governantes têm de se demitir ultrapassa o que tem sido a prática ao longo dos anos e que uma interpretação literal da lei seria de grande “complexidade institucional e social”.
António Costa considera que os governantes não podem ser sancionados com a demissão por causa dos negócios de familiares com entidades públicas, que não tenham qualquer relação ou interferência dos titulares de cargos políticos. Mas apesar de o considerar, o Governo pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República para esclarecer este caso, uma vez que a lei em causa já foi mudada — apesar de a nova versão apenas entrar em vigor na próxima legislatura.
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António Costa considera que os governantes não podem ser sancionados com a demissão por causa dos negócios de familiares com entidades públicas, que não tenham qualquer relação ou interferência dos titulares de cargos políticos. Mas apesar de o considerar, o Governo pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República para esclarecer este caso, uma vez que a lei em causa já foi mudada — apesar de a nova versão apenas entrar em vigor na próxima legislatura.
“Ao longo do dia de hoje tem sido difundida uma interpretação das normas sobre impedimentos de empresas em que familiares de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos tenham participação superior a 10% do capital, que ultrapassa largamente, no seu âmbito e consequências, o que tem sido a prática corrente ao longo dos anos”, começa por se ler no comunicado.
Em seguida o comunicado esclarece a posição do primeiro-ministro: “Não pode deixar de suscitar dúvidas como alguém possa ser responsabilizado, ética ou legalmente, por actos de entidades sobre as quais não detém qualquer poder de controlo e que entre si contratam nos termos das regras de contratação pública, sem que neles tenha tido a menor intervenção”, lê-se num comunicado do gabinete do primeiro-ministro enviado esta tarde às redacções.
Além deste argumento, o Governo lança para cima da mesa outra questão: a dificuldade de aplicação da legislação em vigor. Uma vez que o impedimento abarca todos os cargos políticos, desde o Presidente da República ao autarca, "facilmente se compreende a complexidade institucional e social da interpretação literal que vem sendo difundida”.
O caso surge depois de o Observador ter noticiado que o filho de Artur Neves, secretário de Estado da Protecção Civil, ter celebrado três contratos com entidades públicas, o que não seria permitido por lei e teria como sanção a demissão do governante. Contudo, o Governo não tem a mesma leitura da lei em vigor, dizendo que não compreende como é possível sancionar um governante por actos de terceiros, sem que nesses actos tenha intervindo, mesmo que estes sejam seus familiares. Essa é uma leitura que o deputado socialista Pedro Delgado Alves tinha referido esta terça-feira de manhã ao PÚBLICO.
Perante a polémica gerada, o Governo centra-se na questão legal deste aspecto lembrando que tanto quanto é do conhecimento público, “não há jurisprudência sobre a matéria, nem até ao momento terá sido movido com este fundamento qualquer processo de demissão ou perda de mandato”.
No mesmo comunicado, o gabinete do primeiro-ministro lembra ainda que já foi aprovada uma legislação que altera a que está em vigor e que “clarifica o alcance e consequência destes impedimentos”. A nova lei das incompatibilidades para os titulares de cargos políticos, que foi aprovada na globalidade por PS, PSD, PCP e BE, com voto contra do CDS e abstenção do PAN, passa a permitir negócios entre empresas de familiares directos de titulares de cargos políticos, mas exige mais transparência ao processo.
Apesar de o Governo ter na sua interpretação que a sanção da demissão não se aplica, numa tentativa de salvaguardar outras situações que possam ocorrer até que a nova lei entre em vigor e “para completo esclarecimento desta questão”, o “primeiro-ministro decidiu solicitar um parecer ao Conselho Consultivo da PGR, o que hoje mesmo fez”.