Somalilândia quer reconhecimento, Rússia quer uma base militar em África
O antigo protectorado britânico está a ganhar apoios para a sua causa independentista. E Putin quer ser um dos paladinos internacionais em troca de uma base militar e um porto no Mar Vermelho.
“A República da Somalilândia e seu povo congratulam Boris Johnson por se ter tornado no novo líder do Partido Conservador e primeiro-ministro do Reino Unido. Desejamos ao nosso amigo histórico sucesso a longo prazo e prosperidade sob a liderança de Johnson.” A mensagem, assinada pelo Presidente Musa Bihi Abdi, seria apenas mais uma, entre muitas de cumprimentos ao novo primeiro-ministro britânico, não fosse este o chefe de um Estado que ninguém ainda reconheceu como tal.
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“A República da Somalilândia e seu povo congratulam Boris Johnson por se ter tornado no novo líder do Partido Conservador e primeiro-ministro do Reino Unido. Desejamos ao nosso amigo histórico sucesso a longo prazo e prosperidade sob a liderança de Johnson.” A mensagem, assinada pelo Presidente Musa Bihi Abdi, seria apenas mais uma, entre muitas de cumprimentos ao novo primeiro-ministro britânico, não fosse este o chefe de um Estado que ninguém ainda reconheceu como tal.
Musa Bihi Abdi foi eleito democraticamente em 2017 para presidir a um país que a comunidade internacional continua sem aceitar ao fim de 28 anos de independência. Ainda hoje, o antigo protectorado britânico é visto como uma região semi-autónoma da Somália, Estado depauperado e arruinado por anos e anos de guerra civil, a braços com o terrorismo jihadista do grupo Al-Shabab que mantém limitado o poder do executivo reconhecido internacionalmente.
Mas a mensagem de Musa Bihi Abdi é sinal dos tempos. O Presidente somalilandês recebeu esta semana, na capital, Hargeisa, o recém-nomeado representante especial da ONU para a Somália, James Swan, numa altura em que as autoridades se esforçam para aumentar o perfil internacional do país.
Vários estados já estabeleceram missões comerciais ou diplomáticas em Hargeisa, como a Etiópia e o Djibuti, e o Quénia parece ser o próximo da lista, tendo já enviado um emissário para a capital da Somalilândia com o fim de instalar uma representação oficial. Talvez em consequência do fórum organizado pelo Governo somalilandês em Nairobi para atrair investidores quenianos, em Dezembro.
“Sob o comando de Boris Johnson, um Reino Unido pós-Brexit terá de ir em busca de novas oportunidades em África, como a Somalilândia”, escreveu em comunicado Aniis Essa, de um grupo que na diáspora luta pelo reconhecimento internacional do país do corno de África. A mensagem do Presidente “é em si um grande gesto”, porque sendo a “Somalilândia um dos antigos protectorados britânicos tem de ser alvo da atenção de Johnson”.
Desde o princípio do ano, Musa Bihi Abdi já realizou visitas oficiais a três nações africanas para fomentar o comércio e a cooperação empresarial. Depois do Egipto e Djibuti no princípio do ano, o líder político somalilandês esteve este mês na Guiné-Conacri, a convite do Presidente Alpha Condé.
O gesto de Condé levou o Governo somali a anunciar o corte de relações diplomáticas com a Guiné-Conacri no dia 4 de Julho e o ministro da Aviação Mohammed Omar Salad a declarar dias depois que a Somália passaria a controlar o seu espaço aéreo sem a ajuda da Somalilândia, contrariando o acordo estabelecido em 2017.
Segundo o site Africa Intelligence, por trás da decisão de Condé esteve a Rússia. Durante o encontro com o Musa Bihi Abdi, o Presidente guineense incentivou-o a aprofundar as relações com Moscovo e, com isso, receber o apoio de Vladimir Putin para o reconhecimento internacional da Somalilândia como Estado independente.
Em troca de um paladino internacional da sua causa, o Governo somalilandês teria de promover uma relação estratégica com a Rússia, nos domínios políticos e de defesa.
Não é o primeiro gesto de Moscovo para cativar como aliado este país não reconhecido do Corno de África, zona estratégica para as aspirações russas no continente, tendo em conta, também, a forte presença chinesa na região. A primeira base militar da China fora do seu país está situada no Djibuti, país que faz fronteira com a Somalilândia.
Falhados os objectivos Sudão, Eritreia e inclusivamente Djibuti, Moscovo voltou-se para a Somalilândia como possibilidade para instalar, tal como China e EUA, um porto no Mar Vermelho, neste caso em Saylac, um dos mais velhos portos de África. Zhong Jianhua, antigo representante especial do Governo chinês para os assuntos africanos e actual conselheiro de Putin para África, já falou várias vezes com Musa Bihi Abdi para este aceitar uma base militar russa no país.
Quem já está na Somalilândia, a desenvolver as instalações do porto comercial de Berbera, são os Emirados Árabes Unidos, aliados norte-americanos na região. O governo emiradense é um dos mais próximos do poder em Hargeisa – Musa Bihi Abdi visitou o país duas vezes este ano e recebeu uma delegação de alto nível. Os Emirados querem ajudar no reforço da segurança e na reconstrução das forças armadas com equipamento e formação. Uma situação que poderá alterar-se em caso de aproximação somalilandesa à Rússia.
A importância geoestratégica e a relativa estabilidade tornam a Somalilândia um alvo apetecido em África e Zhong Jianhua tem já experiência no apoio à construção de um novo Estado, depois do Sudão do Sul, que em 2011 se tornou no mais jovem Estado reconhecido internacionalmente e onde a China investiu muito dinheiro em troca do controlo da produção de petróleo.