Arjen Wals: urgência das medidas ambientais pode levar a regimes “ecototalitários”
Investigador holandês defendeu em congresso em Lisboa o papel das escolas na educação ambiental.
Escolas com lagos e jardins com os seus próprios problemas ambientais podem criar uma geração menos apática aos riscos das alterações climáticas, defende o investigador holandês Arjen Wals, que alerta para os riscos do “ecototalitarismo”.
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Escolas com lagos e jardins com os seus próprios problemas ambientais podem criar uma geração menos apática aos riscos das alterações climáticas, defende o investigador holandês Arjen Wals, que alerta para os riscos do “ecototalitarismo”.
Em entrevista à agência Lusa em Lisboa, à margem do 15.º Congresso da Federação Ecológica Europeia, que começou nesta segunda-feira em Lisboa, o professor da Universidade de Wageningen e titular da cadeira de Aprendizagem Social e Desenvolvimento Sustentável da UNESCO afirmou que é preciso “agir para sair de uma economia e uma educação que serve a economia, que só serve para estimular o desenvolvimento, o crescimento e a inovação para aumentar o lucro de accionistas”.
“Os jovens pedem uma educação mais relevante, que responda aos desafios do nosso tempo”, afirmou, desenhando um modelo de escola que funciona como “ecossistema e laboratório”.
“Uma escola com um lago, com jardins, um ambiente biodiverso criado em conjunto por alunos, professores, organizações não governamentais da comunidade. Uma escola com oficinas anuais promovidas por lojas de reparação de bicicletas para ensinar aos alunos como o fazer. Um mercado na escola onde as pessoas possam vender ou trocar o tipo de coisas que poriam à venda na Internet e onde os produtores locais possam vender os seus produtos”, ilustrou.
Arjen Wals defende “programas escolares vivos, onde se pense na saúde, na qualidade do solo, na qualidade dos alimentos que se come, na eficiência energética da própria escola”.
“Porque não um marcador onde a escola mantenha a contabilidade das árvores que poupou ao ser mais eficiente no seu consumo de energia?”, sugere, indicando que todos são “actos de aprendizagem, também social”, que podem ir em sentido contrário à economia, “que faz pensar que nunca chega e que se precisa sempre de mais”.
Actualmente, a educação “promove muito o crescimento pessoal e o desenvolvimento, o que pode soar muito inocente, mas talvez esse seja o problema”, argumentou, defendendo que as escolas podem ser “um recreio de experimentação, não para acelerar, mas para abrandar”.
Um gesto pela sustentabilidade pode ser quase um acto transgressivo num mundo em que “a vida insustentável foi normalizada e viver de forma sustentável é mais difícil”.
Por exemplo, aponta a existência de comunidades que são energeticamente auto-suficientes, “algo que a tecnologia torna possível, mas que, às vezes, é dificultado pelos governos ou pelas empresas, que têm interesse em manter o sistema actual, que funciona no curto prazo mas nunca pensa no longo prazo”.
O discurso político sobre a resiliência precisa de um contraponto: “Sermos disruptivos e vermos por que vivemos como vivemos, que forças nos levam a ser insustentáveis.”
Isso tanto pode ser um lar ou uma comunidade que decide desligar-se da infra-estrutura geral de distribuição de energia ou “um miúdo num estado norte-americano onde não se fala de alterações climáticas levantar a mão na aula e fazer perguntas”.
Arjen Wals considerou “irónico e triste” que, “nos bairros da lata em Bombaim [Índia] ou na Cidade do Cabo [África do Sul], as pessoas com um nível de educação muito básico tenham uma pegada carbónica muito baixa, embora de forma involuntária”.
As circunstâncias em que vivem obrigam-nos a “desenvolver mecanismos com os quais se pode aprender”, por exemplo na circularidade, na reutilização e na apreciação que têm pela comunidade, “da qual precisam para sobreviver”.
“Há muitas maneiras de mudar o comportamento humano, seja pela legislação, multas, impostos, subsídios ou pela educação, que é também uma maneira de criar capacidades, competências e aptidões.”
A propósito de uma medida como as coimas para quem deitar beatas de cigarro para o chão, aprovadas recentemente no Parlamento português, Arjen Wals não as vê como um caminho para a educação mas para “o condicionamento, o treino”, considerando-a uma medida legítima mas frisando que é preciso cuidado para se ver “onde se vai parar”.
Se a urgência das medidas a tomar aumentar e encurtar a “janela de oportunidade” que os seres humanos têm para minorar os efeitos das alterações climáticas, isso pode levar a regimes “ecototalitários”.
“Dependeríamos de países que agem de forma autoritária, a dar passos ecológicos rápidos, como já vemos em alguns países do mundo, como a China, onde muita coisa mudou”, afirmou.
No país mais populoso do mundo, “há centrais a carvão a serem fechadas e parques solares e eólicos a aparecerem praticamente de um dia para outro, mas sem sinais de participação da sociedade nas decisões ou de democracia”, observou. “É eficaz, mas as pessoas ficam mais felizes? Não. Vamos para mecanismos como multas, controlo, observação de comportamento? Há uma maneira de o fazer de uma forma mais ética, mais ligada com os outros.”
Independentemente da janela de oportunidade para começar a mudar antes de as consequências serem irreversíveis durar “dez, 20 ou 50 anos”, Arjen Wals afirma que “a humanidade já mostrou que consegue coisas impressionantes”. “É a única espécie que conseguiu alterar a biodiversidade e o clima no planeta. É muito impressionante, mas infelizmente também não é muito saudável. Mostra o engenho humano e, se o conseguirmos usar com outra bússola moral, será possível inverter essas tendências”, defendeu. “Temos de acreditar nisso, porque o pessimismo nunca foi bom guia para mudanças positivas.”