Juíza do TC que bateu com a porta já se tinha candidatado ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Clara Sottomayor, relatora do acórdão da lei dos metadados, recusou fazer alterações e foi ameaçada com processo disciplinar.

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Juíza Clara Sottomayor

Clara Sottomayor, a juíza do Tribunal Constitucional (TC) que se demitiu por causa da lei dos metadados, já tinha apresentado há vários meses a sua candidatura ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). O período de candidaturas foi aberto em Fevereiro e Portugal tem direito a propor uma lista de três nomes, que ficou fechada a 28 de Abril, após os vários candidatos terem passado no crivo de uma comissão independente criada por despacho da Ministra da Justiça. O nome de Clara Sottomayor é um deles.

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Clara Sottomayor, a juíza do Tribunal Constitucional (TC) que se demitiu por causa da lei dos metadados, já tinha apresentado há vários meses a sua candidatura ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). O período de candidaturas foi aberto em Fevereiro e Portugal tem direito a propor uma lista de três nomes, que ficou fechada a 28 de Abril, após os vários candidatos terem passado no crivo de uma comissão independente criada por despacho da Ministra da Justiça. O nome de Clara Sottomayor é um deles.

A até ontem juíza do TC demitiu-se numa atitude de ruptura por causa da redacção da proposta de acórdão sobre a constitucionalidade da polémica lei dos metadados (que regula o acesso dos serviços de informações a dados de tráfego de telecomunicações por parte dos serviços de informação a suspeitos de terrorismo espionagem e criminalidade organizada).

O texto pronunciava-se no sentido da inconstitucionalidade, mas Clara Sottomayor não terá aceite mudar alguns dos considerandos, nomeadamente as comparações entre a violência doméstica e o terrorismo.

Depois de vários juízes terem colocado objecções a partes da fundamentação da decisão, a relatora do acórdão não compareceu a uma reunião para que tinha sido convocada pelo presidente do TC, Costa Andrade, que serviria para alterar a fundamentação do seu relatório. E chegou a haver uma discussão entre os dois, presenciada por várias pessoas. Em face disso, Costa Andrade ameaçou-a com um processo disciplinar e Clara Sottomayor decidiu renunciar ao cargo.

Segundo fonte conhecedora do processo, a relatora temia que lhe fossem propostas alterações substanciais aos fundamentos que tinha escrito no documento, e entendia que não tinha que o fazer. Por seu lado, o presidente do TC terá entendido que deveriam ser feitas algumas pequenas correcções ao texto, para ir ao encontro de objecções de alguns outros juízes.

Mas a falta Clara Sottomayor à reunião solicitada foi a gota de água para um desentendimento que já vinha de trás. E acabou por precipitar a renúncia da juíza, inédita nestas condições — até agora, só tinha havido abandonos do cargo por doença ou saída para outros cargos.

Mal-estar no TC

A magistrada chegou ao Tribunal Constitucional em 2016, indicada pelo Bloco de Esquerda e com a concordância do PS. Os bloquistas entendiam que fazia falta no Palácio Ratton alguém com um conhecimento específico nesta área dos direitos, liberdades e garantias. Porém, o seu relacionamento com os colegas foi-se deteriorando, a ponto de ter de mudar de secção mais de uma vez.

Durante 23 anos, Clara Sottomayor foi professora da Escola de Direito da Universidade Católica, no Porto, destacando-se na área de Família. Foi também juíza social do Tribunal de Família e Menores do Porto. Em 2012 tornou-se a mais jovem magistrada a chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, preenchendo uma vaga como jurista de mérito.

Deu muitas vezes publicamente a cara por causas como a criminalização da violência doméstica, o combate à pedofilia, a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o combate à violência sexual. No ano passado, votou vencida contra o chumbo das normas de gestação de substituição pelo Tribunal Constitucional.

O PÚBLICO tentou falar com a juíza — que deverá regressar ao Supremo assim que haja quem a substitua —, mas sem sucesso. Também não foi possível obter declarações do presidente do tribunal, Manuel da Costa Andrade.

A nova lei que permite aos serviços de informações o acesso a dados de comunicações, os metadados, foi aprovada a 19 de Julho de 2017 pelo PS, CDS-PP e PSD, os votos contra do BE, PCP e PEV e a abstenção do PAN. A 14 Agosto de 2017, Marcelo promulgou-a, sublinhando o “consenso jurídico atingido” e a “relevância do regime em causa”.

Ano e meio à espera

Em Janeiro de 2018 BE, Verdes e PCP entregaram no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização sucessiva deste diploma, que permite que agentes do SIS e do SIED acedam aos metadados “para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional, da segurança interna e da prevenção de actos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada e no seu exclusivo âmbito”.

Contudo, tal como o PÚBLICO noticiou em Maio deste ano, os serviços de informação reunidos sobre a sigla SIRP [Sistema de Informações da República Portuguesa] já consultam, desde Março, dados de tráfego e duração de comunicações, sem intervirem no conteúdo das chamadas. Isto apesar de o acórdão do TC ainda estar por sair, mais de ano e meio depois dos juízes terem sido chamados a pronunciar-se.