E hoje, já comeu feijão? O papel das leguminosas em dietas mais sustentáveis
Na Holanda, o governo adotou a meta de inverter até 2050 a taxa atual de consumo de 60% de proteína animal e 40% de proteína vegetal. Será que Portugal está preparado para esta transição?
Atualmente, estamos numa encruzilhada. Alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU dentro de um prazo razoável parece uma quimera, porque o desenvolvimento e a sustentabilidade estão em rota de colisão. O mundo precisará de mais 60% de alimentos até 2050 e com a diminuição que se está a observar nos níveis de produtividade, é improvável que tal meta seja atingida, pelo menos se não alterarmos o nosso sistema alimentar atual.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Atualmente, estamos numa encruzilhada. Alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU dentro de um prazo razoável parece uma quimera, porque o desenvolvimento e a sustentabilidade estão em rota de colisão. O mundo precisará de mais 60% de alimentos até 2050 e com a diminuição que se está a observar nos níveis de produtividade, é improvável que tal meta seja atingida, pelo menos se não alterarmos o nosso sistema alimentar atual.
Ao longo da história, e graças a sucessivos avanços tecnológicos, o Homem tem vindo a prosperar, mas com custos. A mecanização da agricultura e o processo de Haber-Bosch utilizado para sintetizar amónia e produzir fertilizantes azotados, permitiram o aumento da população, mas também facilitaram o consumo exagerado de produtos de origem animal, que trazem pegadas ecológicas e consequências negativas para saúde.
Apesar de a proteína ser um nutriente essencial, está amplamente documentado que diminuir o consumo de proteína animal reduz a incidência de doenças cardiovasculares, melhora a microbiota intestinal, diminui a incidência de cancro, e pode até mesmo reduzir a mortalidade. As leguminosas contêm alguns dos níveis proteicos mais elevados entre os alimentos vegetais, perfeitamente equilibrados em termos composicionais quando complementados com cereais. Acresce que os sistemas de cultivo com leguminosas conseguem reduzir as emissões de gases de efeito de estufa e diminuir o uso de fertilizantes azotados. Aumentar a produção e o consumo de leguminosas na Europa é um dos grandes objetivos do projeto Europeu TRUE*, do Horizonte 2020. Evidentemente, o projeto mostra que não há uma panaceia para este cenário complexo, no entanto, evidencia que “uma transição proteica” pode ser uma opção mais direta para reduzirmos os impactos ambientais da produção de alimentos e melhorar a saúde humana.
O objetivo não é erradicar o consumo de carne (trata-se apenas de reduzir o seu consumo), e muito menos de aderirmos a um sistema alimentar global, uma vez que em muitas regiões a proteína de origem animal continua a ter um papel importantíssimo na nutrição das populações. Tudo depende do contexto. Mas na Holanda, por exemplo, o governo adotou a meta de inverter até 2050 a taxa atual de consumo de 60% de proteína animal e 40% de proteína vegetal. Será que Portugal está preparado para esta transição?
Num país com um passado de adesão à dieta mediterrânica, quase 23% da população apresenta consumos de carne vermelha e processada inadequada. Há várias medidas que poderiam ser tomadas para promovermos um aumento no consumo de leguminosas e que poderiam ter um impacto global. Estaremos preparados, por exemplo, para introduzir nas escolas públicas, uma vez por semana, uma refeição vegetariana obrigatória à base de leguminosas?
Admitamos que a promoção de uma relação mais equilibrada entre a proteína animal/vegetal possa ser conseguida (pelo menos em parte) através da introdução de mais leguminosas na nossa dieta. Mas isso não resolve a falta de produção local. É preciso investir em programas de melhoramento que adaptem as leguminosas às condições ambientais atuais e apoiar os agricultores a introduzi-las nos sistemas de cultivo (aqui a nova reforma da Política Agrícola Comum pode ser relevante). Mas o futuro das leguminosas dependerá da ação concertada de todos os atores do sistema alimentar e da cadeia de valor, começando pelo consumidor, que deverá pedir essa opção mais amplamente.
Olhando para trás, na Idade Média, a introdução do feijão nos sistemas de cultivo Europeus e nas suas dietas permitiu não só a sobrevivência de uma população faminta, pobre e em guerra, como possibilitou uma fertilização natural dos solos. Já dizia Umberto Eco que os feijões foram a planta que salvou a humanidade. Foi recentemente proposto que a ingestão de pelo menos 100 gramas por dia de feijão cozido, lentilha, grão ou ervilha é suficiente para promover uma dieta sustentável. É caso para perguntar: já comeu feijão hoje?
* Este projeto recebeu financiamento do programa de investigação e inovação Horizonte 2020 da União Europeia ao abrigo do contrato de subvenção n.º 727973
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.