Guiados por Bamba Pana, vamos mesmo precisar de descobrir Mbuharati

Vem de Dar es Salaam, a maior cidade da Tanzânia, e é porta para uma nova música electrónica, fisicamente intensa, libidinosa. Toca este sábado na ZDB, em Lisboa, e vem acompanhado pelo conterrâneo Makaveli.

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Bamba Pana traz a Lisboa o singeli, expressão musical frenética nascida nos bairros de Dar es Salaam, a maior cidade da Tanzânia DR

Ouve-se o som da mbira, lamelofone de dedos africano, e ouvem-se percussões e ritmos quebrados. Ouve-se a manipulação electrónica destes sons e, sabemo-lo desde o primeiro segundo, não há tempo para o ritmo se insinue com discrição. Nada disso, Bamba Pana não perde tempo. A sua música, no género designado singeli que vem alastrando mundo fora desde o Este de África, é ferozmente rápida, fisicamente intensa, libidinosa. É a tradição do seu país centrifugada digitalmente e insuflada daquilo que é a vida no bairro de Mburahati, em Dar es Salaam, a maior cidade da Tanzânia. É essa música que ouviremos este sábado na ZDB, em Lisboa (22h, dez euros, Luar Dominatrix na primeira parte).

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Ouve-se o som da mbira, lamelofone de dedos africano, e ouvem-se percussões e ritmos quebrados. Ouve-se a manipulação electrónica destes sons e, sabemo-lo desde o primeiro segundo, não há tempo para o ritmo se insinue com discrição. Nada disso, Bamba Pana não perde tempo. A sua música, no género designado singeli que vem alastrando mundo fora desde o Este de África, é ferozmente rápida, fisicamente intensa, libidinosa. É a tradição do seu país centrifugada digitalmente e insuflada daquilo que é a vida no bairro de Mburahati, em Dar es Salaam, a maior cidade da Tanzânia. É essa música que ouviremos este sábado na ZDB, em Lisboa (22h, dez euros, Luar Dominatrix na primeira parte).

Bamba Pana estará acompanhado por Makaveli, dono da única voz que ouvimos cantar em Poaa (2018), o primeiro álbum com edição internacional de Pana. Têm uma história semelhante, como contam por email ao PÚBLICO. Começaram a fazer música aos 14 anos, usando laptops e equipamento precário, influenciados tanto pelas linguagens musicais locais – “bogo falva, taraab, mchiriku, sebene” , como pelos grandes nomes do hip-hop americano que lhes iam chegando – “Tupack, Biggie”. Mais determinante, porém, considera Bamba Pana, é a forma como a dinâmica e o ritmo da vida que o rodeia contaminaram a sua música: “A vida é difícil aqui na nossa zona, a mais dura de Dar Es Salaam, e é por isso que a música é rude e rebelde. Vem de um lugar de luta e de um desejo de o esquecermos e de nos perdermos em som.” Acrescenta então algo que é determinante para este contexto: “Esse é, provavelmente, um sentimento semelhante ao dos nossos irmãos europeus que criam gabber e tecno hardcore ou hard drum’n’bass. Vem de lugares duros.”

Para o percurso de Bamba Pana e de Makaveli foi fundamental a criação dos Sissos Studios em Dar Es Salaam, obra de DJ Sisso – “foi aí que todos começámos”, afirma Bamba Pana. E se o singeli é hoje um estilo prevalente em toda a África Oriental, a sua viagem até aos clubes, festivais e pistas de dança do Ocidente deve-se a uma organização nascida no vizinho Uganda. Chama-se Nyege Nyege Tapes e foi criada em Kampala, a capital do país, por um belga, Derek Debru, e um etnomusicólogo grego, Arlen Dilsizian.

A viver na cidade há quase uma década, começaram por organizar festas como plataforma para expor os músicos de diferentes origens africanas que ali viviam ou que por ali passavam. Às festas sucedeu a construção de estúdios de gravação e as gravações originaram a editora fundada em 2015 (foi através da compilação Sounds of Sisso que Pana e companheiros chegaram pela primeira vez a ouvidos ocidentais). “A Nyege Nyege Tapes mudou o jogo para todos os produtores no Este de África”, diz Bamba Pana. “Agora, onde quer vamos, as pessoas conhecem-nos, conhecem a nossa editora e os seus artistas, o que é um grande salto, tendo em conta que éramos antes completos desconhecidos fora do nosso país”.

Firmemente implantada na cidade e na área geográfica em que nasceu, a Nyege Nyege Tapes tornou-se plataforma que agrupa músicos tanzanianos, ugandeses ou quenianos e os insere numa rede global de novas linguagens musicais em que convivem tanto as derivações de kuduro criadas em Lisboa, o afro-house sul-africano ou o electro chaabi saído do Cairo. Entre os seus artistas encontramos Otim Alpha, músico que recontextualiza as canções de casamento tradicionais dos Acholi, um dos povos que formam a rica tapeçaria cultural do Uganda, em formato electrónico, à maneira do sírio Omar Souleyman, com quem é frequentemente comparado.

Otim Alpha mostrará na ZDB, dia 26 de Setembro, o seu primeiro álbum com edição internacional, Gulu City Anthems (2017). Antes disso, no início desse mês, haverá festa em Jinja. Jinja? É nessa localidade, entre a selva luxuriante e a pouca distância da nascente do Nilo, que se realiza desde 2015 o Nyege Nyege Festival, onde à criatividade local se reúne a criatividade além-fronteiras que partilha um mesmo desejo de exploração e partilha musical. No ano passado, por exemplo, passou por lá Jonathan Uliel Saldanha para actuar com os seus HHY & The Macumbas. Antes disso, estivera um mês em residência em Kampala, a convite de Nyege Nyege, e iremos ouvir este ano o álbum que resultou da experiência.

Agora, porém, é tempo de nos perdermos no som e no frenesim rítmico de Bamba Pana. “Queremos que se percam na música, nem que seja por uma hora e que saiam [do concerto] como se tivessem feito uma viagem sem escala a Mburahati”, diz. “Gostamos de tocar muito alto e de criar ondas sonoras muito subtis que nunca te deixam ficar parado ou preso no mesmo ritmo durante muito tempo. Quando pensas que chegaste lá, abrimos novas portas e mostramos-te novos lugares”, descreve. Tudo resumido: “Tocamos música que traz os mortos de volta à vida”.