Esquerda espanhola falha acordo e governo é chumbado pela segunda vez

Em vez de acordo, socialistas e Podemos acusaram-se mutuamente do fracasso das negociações. Vários partidos apontaram o dedo a Pedro Sánchez por se comportar como se tivesse maioria absoluta.

Foto
Um Pedro Sánchez cabisbaixo deixa o Congreso depois de perder a segunda votação da investidura SERGIO PEREZ/Reuters

O Partido Socialista Operário Espanhol quis tudo em troca de nada ou quase nada. E o que conseguiu foi nada. Ou quase nada, porque até Setembro ainda há possibilidades de negociar um acordo – Pablo Iglesias ainda deixou essa possibilidade em aberto, aproveitando o seu discurso no Congresso no último dia do debate de investidura, para lançar uma última proposta: o Unidas Podemos abdica de exigir o Ministério do Trabalho se lhe for atribuída a tutela nas políticas activas de emprego.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Partido Socialista Operário Espanhol quis tudo em troca de nada ou quase nada. E o que conseguiu foi nada. Ou quase nada, porque até Setembro ainda há possibilidades de negociar um acordo – Pablo Iglesias ainda deixou essa possibilidade em aberto, aproveitando o seu discurso no Congresso no último dia do debate de investidura, para lançar uma última proposta: o Unidas Podemos abdica de exigir o Ministério do Trabalho se lhe for atribuída a tutela nas políticas activas de emprego.

É uma abertura, e embora pequena permite aos optimistas continuarem a pensar na hipótese de que daqui até Setembro os socialistas e a plataforma de esquerda cheguem mesmo a acordo para governar Espanha nos próximos quatro anos, em função do resultado das eleições de 28 de Abril. E várias vozes no Congresso pediram às duas formações políticas de esquerda para que não percam a oportunidade de formar um executivo progressista.

À esquerda e à direita pediu-se a Pedro Sánchez vontade para negociar, porque até agora o primeiro-ministro pediu cheques em branco sem oferecer nada em troca. Albert Rivera, líder do Cidadãos, num discurso muito duro que chegou a ser interrompido pelos protestos da bancada socialista, disse ao primeiro-ministro em exercício: “O senhor tem um mandato do rei para formar Governo, não é rei, é presidente do Governo”.

Rivera referia-se ao pedido que o líder socialista dirigira ao Cidadãos e ao Partido Popular para que se abstivessem no debate da investidura, de forma a permitir que o Governo passe com maioria simples, como é exigido nesta segunda votação. Um pedido sem contrapartidas, apenas para viabilizar o executivo minoritário socialista sem necessidade do Unidas Podemos.

"Tinha que procurar cumplicidades"

À esquerda, mesmo que o tom fosse mais brando, essa mesma falta de vontade de dialogar foi salientada nos discursos do líder parlamentar de Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Gabriel Rufián, e do deputado de Compromís, a formação de Valência que é parceira de um governo de coligação com socialistas e Podemos na Comunidade Valenciana. Mas também do Partido Nacionalista Basco (PNV), que se queixou de um primeiro-ministro que conta com o voto dos seus seis deputados sem qualquer diálogo para o efeito. “Tinha que ter procurado cumplicidades de outra maneira”, afirmou o porta-voz da formação basca, Aitor Esteban.

“Vão arrepender-se do que se passou hoje”, disse Rufián em relação à esquerda que deixa fugir das mãos a oportunidade de governar durante quatro anos. Com críticas a ambos os lados por não terem conseguido encontrar uma plataforma política para governar, o político catalão apontou dedo ao líder socialista: “Senhor Sánchez vai arrepender-se de, a dado momento, ter preferido a abstenção do senhor Casado e do senhor Rivera à presença do senhor Iglesias num ministério”.

“Para fazer pactos é preciso ceder”, disse o deputado cantábrio José Maria Mazón, o único que votou com os socialistas na primeira votação e voltou a fazê-lo nesta. Sublinhando a necessidade de “começar do zero as negociações” porque os espanhóis “prefeririam isso a eleições”.

Nem com a chuva de críticas e os pedidos de negociação, PSOE e Unidas Podemos mudaram de tom, aproveitando o último dia do debate de investidura para criticar o outro do fracasso das conversações para um governo progressista. E mesmo que Pablo Iglesias tivesse lançado uma última oferta desde o palanque do Congresso, abdicando do Ministério do Trabalho em troca da tutela das políticas activas de emprego, o tom dos dois lados não era o de quem mantém a porta entreaberta para regressar à mesa de negociações.

Fracassos pagam-se

O duríssimo discurso da porta-voz do PSOE nas negociações, Adriana Lastra, no final do debate, dava a entender que, nestes dois meses em que a Constituição espanhola permite que se vote novamente a investidura do Governo, dificilmente o resultado será diferente.

Acusando o Podemos de querer formar dois governos, Lastra foi assertiva, dirigindo-se directamente a Iglesias: “Não precisamos que se apresente como o guardião da essência da esquerda, porque não é. Esta é a segunda vez que irá impedir que a Espanha tenha um governo de esquerdas”.

Como escreveu Antón Losada no eldiario.es, num artigo de opinião intitulado Os fracassos pagam-se, “tanto se esforçaram o PSOE e o Unidas Podemos para conseguir controlar a narrativa que, no final, o único que fica claro é que porque raio não houve acordo, se os ministérios e as ofertas voavam de um lado para o outro com semelhante alegria e generosidade”.

Tentando sair o mais vivo possível da crónica da morte anunciada de um acordo, Sánchez e Iglesias estenderam-se na discrição das idas e vindas de uma negociação que deveria ter começado há dois meses e acabou por ser feita nos últimos dias, com a aceleração pressionada pelas 48 horas de distância entre o primeiro chumbo do Congresso na terça-feira e a segunda votação desta quinta-feira.

Erosão de eleitorado

Só que mesmo durante esta actividade frenética se sentiu que os lados se haviam aproximado o suficiente para formar uma plataforma política de entendimento para governar nos próximos quatro anos. Sánchez queria apoio porque lhe faltam deputados, mas mantendo as suas políticas; Iglesias queria ser governo porque precisa de travar a erosão do seu eleitorado, mas queria capacidade executiva para introduzir as suas ideias.

Nenhum lado se dispôs a abdicar ou ambos abdicaram pouco para tanto que pretendiam. E os dois líderes nem sequer parecem ter conseguido suplantar a antipatia pessoal. Uma antipatia que Sánchez e Albert Rivera também cultivam, como ontem ficou demonstrado, no discurso duro e quase insultuoso do líder do Cidadãos.

No último dia dos quatros que durou o debate de investidura sentiu-se o quão infrutíferas foram as negociações entre PSOE e Podemos, reflectindo-se no resultado da segunda votação: o governo de Sánchez obteve 124 votos a favor (a bancada socialista mais o deputado do Partido Regionalista da Cantábria), 155 contra e a abstenção de 67 deputados (os 15 deputados do ERC foram os únicos que mudaram o sentido de voto, passando do “não” para a abstenção). Se seguir assim, haverá novas eleições a 15 de Novembro.