Rui Moura quer levar uma tripulação portuguesa às portas do espaço

O geofísico diz que “para muitas pessoas o voo espacial ainda está um bocadinho no imaginário”. Para ele não.

Foto
Gonçalo Dias

Foi o primeiro português a integrar o projecto Possum – Polar Suborbital Science in the Upper Mesosphere –, em 2016. Depois de fazer uma formação em astronáutica suborbital em 2016 nos Estados Unidos, o sonho de Rui Moura é levar uma pequena tripulação portuguesa às portas do espaço, não “para a selfie”, mas para fazer investigação científica.

“Para um país como o nosso, que ainda está a começar nesta nova etapa da exploração do espaço – com a criação da agência Portugal Space e a construção da base de lançamento nos Açores –, este poderia ser mais um ingrediente interessante para a nossa ambição espacial”, disse ao PÚBLICO Rui Moura.

O geofísico, que nasceu em Coimbra no mesmo ano em que o homem chegou à Lua, acredita que temos de começar por algum lado e que este pode ser o caminho. “Como nos disseram no treino vários astronautas: ‘Crawl, walk, run’ [gatinhar, andar, correr]. Primeiro temos de gatinhar e gatinhar são missões suborbitais” – que estão para as missões orbitais como a prova dos 100 metros está para a maratona, explicita. “São voos que demoram no espaço minutos”, passando ligeiramente o limite da mesosfera, a cerca de 83 quilómetros de altitude. Estão brevemente em gravidade zero e depois regressam.

Fotogaleria
Gonçalo Dias

Em Outubro de 2018, fez um voo em microgravidade num avião preparado para experiências científicas, um Falcon 20, que o National Research Council do Canadá tem numa base em Otava. Para esse voo, Rui Moura levou uma experiência sua. Pretendia estudar de que forma é que a velocidade de propagação das ondas sísmicas se altera no solo da Lua. “Tinha um mecanismo que gerava ondas ultra-sónicas dentro de um invólucro com uma imitação de solo lunar. Essas ondas propagaram-se no solo e eu medi a velocidade da propagação. Para isso, bastaram-me uns milissegundos. Há muita investigação científica que precisa apenas de uns segundinhos de microgravidade”, explica.

Foto
Rui Moura ao lado do avião em que fez um voo em microgravidade em 2018 DR

Para o cientista-astronauta, esta seria uma forma relativamente acessível do ponto de vista orçamental de darmos “o nosso primeiro passo no espaço, de criar escola, know-how, espírito crítico e também se calhar entusiasmo, que nos pudesse levar no futuro a termos missões orbitais”, já que as missões suborbitais são significativamente menos caras.

Apesar de ter o curso de engenharia geológica, Rui Moura é também piloto de aviões. Aprendeu a voar no aeroclube de Aveiro e chegou até a entrar em competições ibéricas de acrobacia aérea, valências que se revelaram importantes para que fosse aceite no projecto Possum. “Eles pediam pessoas que tivessem certas competências científicas e que tivessem alguma coisa que lhes desse garantia de que a pessoa não ficava deslumbrada com a viagem. Perguntavam se a pessoa tinha experiência de pilotagem, de mergulho, pára-quedismo… Algumas competências normalmente associadas a pessoas capazes de se sentirem à vontade num ambiente dinâmico.” Quando se candidatou, em 2015, pensava que era pouco provável que chamassem alguém de Portugal, mas foi surpreendido.

Durante o curso, treinou num simulador de voo de missão, em câmara hipobárica (para perceber “o que é a hipoxia e a falta de oxigénio”), aprendeu sobre fatos espaciais e sobre trabalhar dentro de um, fez voo acrobático (“para perceber o que é que são os vários regimes de G”), simulações de emergências no regresso da cápsula e campanhas de microgravidade. “O projecto [Possum] visava formar pessoas para eventualmente fazer investigação científica a bordo de um veículo suborbital, que são os veículos que normalmente mais associamos aos voos dos turistas, apesar de não ser só esse o mercado que eles ambicionam”, explica. A ideia é, quando existirem veículos operacionais, haver “uma tripulação ou pessoas formadas nas quais eles têm confiança e depois fica a cargo de cada pessoa comparticipar esse voo”.

Rui Moura quis divulgar a ciência e criar “o bichinho pelo espaço” nos seus alunos, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Por isso, criou a exposição “Fragmentos do Espaço”, no Instituto Geofísico da Universidade do Porto, onde se podem encontrar coisas como comida e bebida espaciais, uma luva de cosmonauta russo ou uma réplica em tamanho real do Sputnik – o primeiro satélite a ser lançado para órbita. Exemplares raros, alguns únicos, que foi recolhendo ao longo dos anos – através da Internet ou de contactos de contactos.

Fotogaleria
Gonçalo Dias

“A sensação que tenho de divulgar ciência, nomeadamente a exploração espacial, aqui no instituto é de que para muitas pessoas o voo espacial ainda está um bocadinho no imaginário. As missões espaciais concretas ainda são pouco mais do que as missões que se vêem na ficção científica. Para mim não. Eu vejo que é exequível e é algo que podia estar ao nosso alcance.”

Por isso, Rui Moura quer começar a perceber se existiria a possibilidade de criar um financiamento para um programa de uma pequena tripulação portuguesa. “O investimento por passageiro não seria ao nível do que existe em termos de financiamento para um programa orbital. E penso que para um país como o nosso, para os recursos que nós temos, seria um bom primeiro passo.”

Havendo uma hipotética missão, gostaria de fazer parte, claro. “Ainda há pouco tempo tivemos cá o Mikhail Kornienko. Ele está com 60 anos e está habilitado para voar no espaço. O colega dele, [Pavel] Vinogradov, penso que está com 65 anos. Portanto, daqui até aos [meus] 60, 65, quem sabe, não é? Mas se não for eu, pelo menos que seja alguém que eu inspire.”