Tinder is the night

O estudo da universidade de Stanford não traz nada que a observação – participante ou não – já nos tinha feito intuir. Há 10 anos, só 20% dos casais se conheciam online. Já vamos em 39%

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Para o caso de já ninguém se lembrar disso, a Vanessa e eu somos testemunhas de que o amor antes do Tinder era uma coisa interessante. É verdade que tudo o que sabemos sobre o assunto entra hoje na categoria do conhecimento arqueológico e não é uma mudança que me alegre. A ideia de que se perdeu para sempre o fascínio da antigamente poderosa interrogação “queres tomar um café?” é propensa a alguma nostalgia inútil.

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Para o caso de já ninguém se lembrar disso, a Vanessa e eu somos testemunhas de que o amor antes do Tinder era uma coisa interessante. É verdade que tudo o que sabemos sobre o assunto entra hoje na categoria do conhecimento arqueológico e não é uma mudança que me alegre. A ideia de que se perdeu para sempre o fascínio da antigamente poderosa interrogação “queres tomar um café?” é propensa a alguma nostalgia inútil.

No Tinder, depois de um match, o café é o menos óbvio dos seguimentos, enquanto na antiga vida normal o convite para um café era uma coisa cheia de possibilidades – dependendo das circunstâncias do emissor e do receptor.

“Ele convidou-me para tomar um café”. Tantas e tantas vezes que a Vanessa chegou ao pé de mim a dizer isto. Não é que o tomar um café fosse, por si só, uma coisa isenta de riscos de decepção: à Vanessa aconteceu, uma vez, ela convidar um tipo para tomar um café. Ele disse que sim, tomou o café, levantou-se e foi-se embora. Ora, isto nunca aconteceria no Tinder.

– Já viste o último estudo que diz que os casais agora se conhecem todos no Tinder? Li no The Guardian.

– Pois, parece que é verdade.

– Estou a pensar em reactivar a minha conta no Tinder.

O texto do The Guardian tinha dado ideias à Vanessa que agora andava, para minha estranheza, misteriosamente quietinha. Tal como o estudo da Universidade de Stanford indicava, já ninguém conhecia ninguém das formas anteriormente consideradas “normais” – por exemplo, os amigos, que tinham dantes um papel fundamental na vida amorosa dos cidadãos (ao darem a conhecer novos amigos) tinham-se transformado, no que a isto diz respeito, nuns perfeitos inúteis.

– Fogo, há séculos que tu não me apresentas gajo nenhum.

Era verdade. Não faço ideia porquê. E nem é pelo facto de a Vanessa, há mais de 20 anos, ter acabado por casar com um gajo que eu tinha convidado para sair só porque era giro. Na altura até fiquei chateada, mas depois passou-me. Shit happens. Depois disso, fartei-me de lhe apresentar amigos. Simplesmente, hoje os meus amigos que não estão casados andam todos no Tinder. E alguns casados também, mas não vou por aí.

O estudo da universidade de Stanford não traz nada que a observação – participante ou não – já nos tinha feito intuir. Há 10 anos, só 20% dos casais se conheciam online. Já vamos em 39%. Os amigos, esse outrora portentoso meio de conhecer pessoas, já são só responsáveis por 20% dos sucessos. O “How I met your mother”, feito hoje em dia, não teria grande script.