Ferido grave andou “às voltas” durante quatro horas. INEM admite “alguns condicionamentos”
O ferido grave do fogo de Vila de Rei foi levado de ambulância até um aeródromo, mas o helicóptero não pôde aterrar por falta de visibilidade. Depois, foi levado para um campo de futebol e foi, horas depois, transportado para Lisboa — mas o INEM garante que teve “a devida assistência”.
O ferido grave resultante do incêndio de Vila de Rei andou quatro horas “às voltas” até chegar ao hospital para receber assistência médica, avançou a RTP e o Jornal de Notícias (JN). Também o INEM admitiu que “houve alguns condicionamentos” que fizeram com que “o helitransporte acabasse por não ser tão célere”.
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O ferido grave resultante do incêndio de Vila de Rei andou quatro horas “às voltas” até chegar ao hospital para receber assistência médica, avançou a RTP e o Jornal de Notícias (JN). Também o INEM admitiu que “houve alguns condicionamentos” que fizeram com que “o helitransporte acabasse por não ser tão célere”.
A versão do INEM foi dada pela médica Paula Neto, no ponto de situação feito pela Protecção Civil na manhã desta terça-feira na Sertã. O incêndio que lavra desde sábado em Vila de Rei e Mação fez com que 39 pessoas fossem assistidas no local, 16 delas consideradas feridas.
Segundo o JN, o INEM demorou cerca de quatro horas a transportar o ferido – que sofreu queimaduras de primeiro e segundo grau na noite de sábado.
Andou às voltas numa ambulância de Suporte Imediato de Vida (SIV) em Vale da Urra (Vila de Rei) até ao momento em que foi transportado para o hospital de São José, em Lisboa. O estado de saúde da vítima está a “evoluir favoravelmente”, indicou o INEM em comunicado divulgado pelas 12h. Contactado pelo PÚBLICO, o hospital de São José confirma que o paciente se encontra em “situação clínica estável, sem intercorrências”, ou seja, sem registo de complicações inesperadas no seu estado de saúde.
Na conferência de imprensa, Paula Neto explicou que o atraso no transporte se deveu às “características de voo” e a questões de “segurança”. Já a decisão de transportar o doente de helicóptero foi tomada com base na “situação clínica do doente”, para “manter cuidados e garantir a estabilidade e assistência”. Paula Neto frisou que a vítima teve “a devida assistência diferenciada ao fim de seis minutos após o pedido de ajuda”.
Em comunicado, o INEM detalha o decorrer dos acontecimentos. Cerca de 20 minutos depois de o Centro e Orientação de Doentes Urgentes (CODU) ter contactado o comandante do helicóptero de Santa Comba Dão, o comandante referiu que não existiam condições de segurança para aterrar no aeródromo das Moitas – o helicóptero sobrevoou então para encontrar um local alternativo para aterrar, mas acabou por voltar à base por ter perdido a autonomia para voar até Lisboa.
A história do transporte é intrincada. Segundo o JN, o CODU ordenou que o civil ferido fosse levado pela SIV para o aeródromo das Moitas, a cinco quilómetros de Proença-a-Nova – não foi helitransportado de imediato devido às fracas condições de visibilidade: por causa do fumo e por ser noite. O helicóptero do INEM de Santa Comba Dão foi activado pelo CODU e levantou voo às 22h59 de sábado com o objectivo de pousar na pista das Moitas e levar o ferido para Lisboa.
Só que o aeródromo das Moitas, gerido pela Câmara de Proença-a-Nova, só acolhe voos diurnos – ainda que possa haver excepções de acordo com o entender do comandante da aeronave. É o CODU que deve perceber com a direcção técnica da infra-estrutura quais as capacidades para acolher um helitransporte. Como a pista não tinha iluminação e era necessária uma pessoa para accionar os holofotes, o helicóptero permaneceu algum tempo no ar – a aeronave tinha sido activada sem se ter a certeza de que era permitida a aterragem.
O JN refere que foi impossível contactar o director da pista que é também o responsável pela Protecção Civil de Proença-a-Nova, Daniel Farinha, porque se encontrava envolvido no combate aos fogos (tal como o comandante dos bombeiros). Pairando no ar já com pouco combustível, o helicóptero voltou à base, em Santa Comba Dão.
Depois, o CODU accionou o helicóptero de Évora — mas tiveram o mesmo problema. Foi então tomada a decisão de aterrar no campo de futebol Senhora das Neves, com autorização do presidente da Câmara de Proença-a-Nova, conta ao JN o dirigente da Associação Desportiva e Cultural do concelho, Nuno Alves. O ferido esteve cerca de uma hora e meia no campo de futebol (dentro da SIV) para ser estabilizado. E foi então o “héli” de Évora que transportou o ferido para Lisboa, onde só chegou por volta das três da madrugada de domingo.
Segundo os documentos de informação aeronáutica divulgados pela NAV, o aeródromo das Moitas só está certificado para funcionar durante o período diurno, do nascer do sol ao pôr-do-sol.
Contactado pelo PÚBLICO, o presidente da Câmara Municipal de Proença-a-Nova, João Lobo, explica que o aeródromo não está certificado para funcionar de noite e que os responsáveis estavam incontactáveis por estarem envolvidos no combate ao incêndio. Os critérios para a escolha do sítio onde aterrar são “particularidades relacionadas com a emergência médica”, diz, e foi ele mesmo que sugeriu então a utilização do campo de futebol.
João Lobo contactou os proprietários do campo (a associação desportiva e cultural) e tudo funcionou como previsto, até porque o campo tem “boas condições” e luz adequada. O autarca refere ainda que, em situação de emergência nocturna, não tem um local certificado onde possa aterrar uma aeronave, mas refere que está disposto para adaptar espaços para dar resposta a esta necessidade.
INEM diz que cumpriu “todos os procedimentos necessários”
O INEM garante, em comunicado, que “cumpriu rigorosamente com todos os procedimentos necessários” e adianta que “não tem qualquer interferência na decisão na aterragem dos helicópteros, que compete exclusivamente ao comandante da aeronave”. O ferido, garante o Instituto Nacional de Emergência Médica, “encontrava-se devidamente estabilizado e a ser acompanhado pelas equipas médicas do INEM”.
“O doente esteve sempre, desde o primeiro momento, acompanhado por equipas médicas do INEM, que o estabilizaram de imediato e assim mantiveram” até chegar a Lisboa, diz o INEM. E acrescenta: “O critério ‘tempo’ assume um carácter relativo quando se trata de doentes críticos, cuja estabilização clínica é prioritária e implica um conjunto de procedimentos morosos e delicados, sem os quais o helitransporte não pode ser efectivado.”
Em esclarecimentos ao PÚBLICO, o INEM refere que o aeródromo das Moitas foi considerado “o local indicado para a aterragem do helicóptero de Santa Comba Dão” – mas que não se trata de uma decisão do INEM, que “apenas sugere ao comandante e aos pilotos da aeronave locais de aterragem para agilizar o desenrolar da missão”. O INEM adianta que “foram sugeridos outros locais de aterragem que não foram aceites pelo facto de não integrarem a lista de locais autorizados pelo operador para aterragem das aeronaves”.
Era sabido que o aeródromo estaria fechado no horário nocturno, mas o INEM refere que “é aberto quando necessário, designadamente para missões de emergência pré-hospitalar”. “A alternativa do campo de futebol foi ponderada, mas a aeronave já não dispunha de autonomia suficiente para continuar a missão até Lisboa, tendo sido accionado o helicóptero de Évora, que cumpriu a missão”, conclui o INEM.
Notícia actualizada às 15h54 com as declarações do presidente da câmara de Proença-a-Nova e com os esclarecimentos do INEM ao PÚBLICO.