“O Estado falhou às populações. O país inteiro falhou. Nós falhámos”

A crítica é do autarca de Vila de Rei. Presidente da Câmara de Mação pergunta: “Onde é que estava esta gente toda?”

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Fogo em Mação Paulo Pimenta

O que se sabe até agora?

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O que se sabe até agora?

  • O incêndio lavra desde sábado com duas frentes activas: uma em Mação e outra em Vila de Rei;
  • Há 12 feridos (um deles grave) e 21 pessoas assistidas. Há ainda habitações destruídas;
  • O último balanço feito pela Protecção Civil aponta para 90% do incêndio dominado, mas há reacendimentos em Mação;
  • As próximas horas serão encaradas “com muita reserva” por causa do vento. 

O presidente da Câmara de Mação (Santarém) critica o que diz ser a falta de meios usados no combate ao incêndio que lavra desde sábado no concelho e em Vila de Rei. Para Vasco Estrela, é legítimo as populações questionarem “onde é que estava esta gente toda”, quando observaram a chegada dos meios por volta das 23h de domingo e que “não foram vistos durante quase 48 horas no concelho de Mação”. Já o vice-presidente da Câmara de Vila de Rei, Paulo César, não tem dúvidas: “O Estado falhou às populações. O país inteiro falhou. Nós falhámos.”

Perante este cenário, o presidente da Câmara de Mação pediu nesta segunda-feira maior “transparência” na divulgação de como os meios de combate aos incêndios são “balanceados” no terreno, lamentando que se diga que são os necessários quando há populações “desprotegidas”. Por seu lado, o vice-presidente da câmara de Vila de Rei disse que o concelho “está farto” de enfrentar chamas ano após ano.

Falando junto ao posto de comando instalado na madrugada desta segunda-feira na aldeia de Cardigos, no concelho de Mação, o presidente da autarquia de Mação, Vasco Estrela, disse à Lusa não compreender por que razão os meios que chegaram por volta das 23h de domingo não foram posicionados antes, já que o fogo chegou “com uma violência extrema” ao concelho por volta das 18h de sábado.

“Não podemos conceber que se diga que os meios eram os necessários, os suficientes, quando tivemos populações completamente desprotegidas. O meu ‘cavalo de batalha’ é deste ponto de vista. Se se puder dizer que não havia realmente mais meios para colocar, temos que assumir que não havia mais meios, que o país não teve capacidade de resposta e assumir isso, ou então temos que dizer outra coisa, que os meios não estavam balanceados no terreno de forma adequada face às características que eram expectáveis que pudessem vir a acontecer”, declarou.

Considerando ser “irrelevante” que se designe este fogo como sendo de Vila de Rei (Castelo Branco), onde se iniciou, Vasco Estrela pediu “que se diga às pessoas quando se fazem os briefings onde é que os meios estão colocados no terreno para as populações locais saberem efectivamente como é que as coisas estão a ser geridas” e também os autarcas poderem transmitir como estão colocados os operacionais.

Se for a opção correcta, então todos têm de se “calar e assumir as suas responsabilidades”, acrescentou, frisando que já nos incêndios de 2017 “batalhou muito” na questão de transparência, apelando novamente a que estas questões sejam reflectidas durante o Inverno para as pessoas “saberem com o que podem contar”.

Aqui onde estamos, estão cerca de 300 pessoas paradas. Todos são operacionais, mas quem está a combater?”, disse, salientando que se está a dar “uma imagem de segurança à população que depois não é visível no terreno e as pessoas sentem-se sozinhas”. “As pessoas sentiram-se abandonadas, não porque estes homens não deram o melhor, mas porque não chegaram para as encomendas”, salientou.

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Vasco Estrela disse ainda não perceber qual foi a lógica de se instalar o posto de comando em Cardigos apenas na madrugada desta segunda-feira.

“Bem sei que a tarde vai ser muito difícil, antevejo que venhamos a ter problemas e os homens que aqui estão venham a ser necessários. Esperemos que não sejam. Mas, pergunto, depois de 5000 hectares de área ardida no concelho de Mação, depois de o posto de comando ter estado tanto tempo em Vila de Rei não teria feito sentido que, logo ao fim das primeiras horas, se equacionasse esta possibilidade? Ela foi equacionada? Sim ou não?”, perguntou. Para o autarca, são “estas dúvidas que ficam sempre no ar que devem ser esclarecidas por quem de direito”.

Estado “voltou a falhar”

As preocupações são partilhadas pelo vice-presidente da Câmara de Vila de Rei, Paulo César: “O concelho está farto, como diz o nosso presidente da câmara [Ricardo Aires]. Está farto destes sucessivos incêndios com origem criminosa e está farto de ver o Estado voltar a falhar às populações.”

O incêndio que deflagrou no sábado em Vila Rei e que alastrou ao concelho vizinho de Mação está dominado em 90%, depois de uma noite de muito trabalho de várias centenas de operacionais e de meios de combate, acompanhados por habitantes que tentaram salvar as suas habitações. Paulo César agradeceu e reconheceu o trabalho dos bombeiros e de outros voluntários que combatem as chamas, mas não escondeu a revolta com a situação.

O autarca denunciou que foram encontrados artefactos explosivos que podem estar na origem das chamas e considerou suspeito que tenham deflagrado praticamente ao mesmo tempo diversas frentes de incêndio em Vila do Rei e Sertã. Para o autarca, é preciso actuar com mais eficiência na prevenção dos incêndios e castigar exemplarmente os incendiários.

Paulo César destacou ainda a necessidade de reforçar os meios de combate no terreno e explicou que a existência de muitas frentes de fogo deixou desprotegidas as populações “de 30 ou 40 aldeias” de Vila de Rei e concelhos vizinhos.

O autarca referiu que ainda estão a ser apurados os prejuízos no seu concelho e lembrou que o fogo ainda não foi considerado extinto. O incêndio de Vila de Rei e Mação é o único que continua por controlar e tem mobilizado várias centenas de operacionais e de meios de combate.

Um civil ficou ferido com gravidade neste incêndio e está internado no hospital de São José, em Lisboa. Há ainda 12 feridos (um deles grave) e mais de duas dezenas de pessoas foram assistidas no terreno pelas equipas do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).

As chamas também já atingiram habitações, num número ainda não quantificado pelas autoridades, depois de as chamas terem ameaçado dezenas de aldeias durante a tarde de domingo.