António Guterres, secretário-geral da ONU, desilude no plano dos direitos humanos
É necessária nova estratégia para a segunda metade do mandato.
Quando o ex-primeiro-ministro português António Guterres foi eleito secretário-geral das Nações Unidas em 2016, foram vários os activistas de direitos humanos que acolheram o anúncio com agrado. Esperavam que Guterres trouxesse para a sede da ONU a mesma paixão pela defesa dos direitos humanos que demonstrou durante dez anos como alto-comissário da ONU para os Refugiados.
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Quando o ex-primeiro-ministro português António Guterres foi eleito secretário-geral das Nações Unidas em 2016, foram vários os activistas de direitos humanos que acolheram o anúncio com agrado. Esperavam que Guterres trouxesse para a sede da ONU a mesma paixão pela defesa dos direitos humanos que demonstrou durante dez anos como alto-comissário da ONU para os Refugiados.
No entanto, o secretário-geral tem mantido o silêncio em relação a quase todos os abusos, inclusive em relação às violações de direitos mais flagrantes. Quando o Governo saudita assassinou o jornalista Jamal Khashoggi, quando a Administração Trump separou crianças imigrantes dos pais ou quando as forças russo-sírias bombardearam hospitais sírios, Guterres absteve-se de criticar os responsáveis, expressando-se quase que invariavelmente por via de generalidades vagas.
Está na hora de abandonar esta abordagem, que só veio contribuir para dar mais força aos autocratas do mundo. É fundamental que Guterres relembre os Estados que violam os direitos humanos que a ONU não é apenas uma ferramenta para promover o desenvolvimento económico ou um fórum para discutir questões de segurança, mas sim um guardião dos direitos humanos. A ONU tem de trabalhar com os Estados-membros, mas é fundamental que defina limites claros ꟷ em público e em privado ꟷ para lidar com os casos em que governos bombardeiam civis ou prendem, torturam e assassinam os seus críticos. Guterres deve deixar claro que não só está preparado, mas também disposto a chamar a atenção aos governos e aos seus líderes.
Guterres herdou uma situação difícil. Poucos dias após Donald Trump ter tomado posse, no seguimento da sua vitória inesperada, a comunicação social divulgou um projecto de decreto de lei destinado a cortar drasticamente o financiamento para a ONU. Estes cortes viriam prejudicar seriamente a capacidade da organização de prestar ajuda humanitária, vacinar crianças e proteger civis em zonas de guerra.
Felizmente, este decreto de lei não chegou a ver a luz do dia. A Administração Trump continua a atacar os programas da ONU que não lhe agradam, mas o Congresso neutralizou as suas tentativas de eviscerar o financiamento da ONU.
Ainda assim, Guterres continua a pisar ovos no que toca aos EUA e a outras grandes potências. A título de exemplo, o secretário-geral não quis condenar publicamente a detenção em massa de um milhão de muçulmanos turcos na China em acampamentos de “educação política”, tendo elogiado a Belt and Road Initiative [Nova Rota da Seda] de Pequim, na qual os direitos humanos não têm lugar. As vítimas desta detenção arbitrária em massa têm motivos para se sentirem abandonadas pelo secretário-geral da ONU, bem como as vítimas de dura repressão no resto do mundo.
Guterres também abdicou do poder do seu gabinete de fazer inquéritos aos casos de abusos graves – seja o assassinato dos dois investigadores da ONU na República Democrática do Congo, o uso de armas químicas na Síria ou o assassinato de Khashoggi, Guterres e a sua equipa parecem ter sempre argumentos na ponta da língua para justificar a sua inacção.
Não há dúvida de que Guterres acredita que esta é a melhor forma de proteger a ONU neste momento difícil. Mas renunciar à sua autoridade não é solução. Os funcionários da ONU insistem que Guterres discute as questões de direitos humanos à porta fechada. Estas conversas particulares poderiam ser úteis, se o secretário-geral demonstrasse aos governos que estes correriam sérios riscos, caso não mudassem rapidamente os seus métodos, mas o secretário-geral da ONU não possui a vantagem que os governos possuem, como as sanções dirigidas a um alvo específico. A sua única vantagem é a voz que se recusa a usar em público. Como resultado, os governos da Síria, Arábia Saudita ou China que desrespeitam os direitos humanos não vêem a sua reputação afectada, dada a ausência de qualquer condenação da parte de Guterres.
O secretário-geral deverá usar os dois anos e meio que restam do seu mandato para exercer plenamente a sua autoridade ao abrigo da Carta da ONU. Deverá autorizar missões de apuramento de factos para esclarecer a responsabilidade pelos abusos sérios cometidos no mundo. Além disso, deve trazer questões urgentes à atenção do Conselho de Segurança. Fê-lo somente uma vez ꟷ quando o Exército da Birmânia levou a cabo a limpeza étnica dos muçulmanos rohingya ꟷ, mas pouco fez para dar seguimento à questão. Esta definição de agenda deve fazer parte da sua caixa de ferramentas.
Mais importante ainda é fazer-se ouvir sempre que as questões tiverem importância suficiente para que a sua voz acrescente um peso significativo à voz do comissário de Direitos Humanos da ONU. Deverá reconhecer que as afirmações genéricas de nada servem, porque não levam ninguém a sentir a obrigação de mudar. Em vez disso, deverá criticar de forma ousada e explícita o desrespeito dos direitos humanos por parte dos Estados-membros.
Não é necessário que Guterres abandone a diplomacia silenciosa, mas as conversas em privado seriam mais persuasivas, se os governos tivessem a noção de que poderiam ser seguidas por críticas claras em público. Não há dúvida de que uma abordagem mais franca irá inflamar alguns Estados, mas também ajudará a restaurar a credibilidade do secretário-geral como um líder mundial disposto a cumprir a sua responsabilidade de defender os cidadãos em maior risco de ver desrespeitados os seus direitos.
Director executivo da Human Rights Watch