Tribunal de Contas defende que candidaturas de habitações não permanentes ao Fundo Revita deveriam ter sido aceites
Auditoria defende que se as segundas habitações tivessem sido aceites e, posteriormente, sujeitas a um critério de hierarquização face às primeiras habitações, ter-se-ia evitado a “intolerância social” em relação a alguns casos de habitações não permanentes que acabaram por ver apoios concedidos.
A auditoria que o Tribunal de Contas (TdC) fez ao Fundo Revita, constituído para apoiar as vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande, em Junho de 2017, conclui que “não foi claramente estipulado que os apoios a conceder à reconstrução, reabilitação e apetrechamento das habitações afectadas se destinava apenas a habitação permanente” e que, face a esta realidade, os requerimentos de apoio para segunda habitação “deveriam ter sido submetidos e, caso preenchessem os critérios de acesso, aceites, sendo depois hierarquizados abaixo das comprovadas habitações permanentes”. Os responsáveis pelo Revita discordam, questionando: “A que propósito deveriam ser financiadas estas habitações, se não eram os propósitos do Fundo Revita?”
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A auditoria que o Tribunal de Contas (TdC) fez ao Fundo Revita, constituído para apoiar as vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande, em Junho de 2017, conclui que “não foi claramente estipulado que os apoios a conceder à reconstrução, reabilitação e apetrechamento das habitações afectadas se destinava apenas a habitação permanente” e que, face a esta realidade, os requerimentos de apoio para segunda habitação “deveriam ter sido submetidos e, caso preenchessem os critérios de acesso, aceites, sendo depois hierarquizados abaixo das comprovadas habitações permanentes”. Os responsáveis pelo Revita discordam, questionando: “A que propósito deveriam ser financiadas estas habitações, se não eram os propósitos do Fundo Revita?”
O problema, refere o TdC, é que a decisão do conselho de gestão do fundo e da comissão técnica de apenas apoiarem habitações permanentes “não resulta das normais aplicáveis e não consta de qualquer acta do conselho de gestão”. A auditoria considera que “em várias disposições” estabelece-se que o facto de uma habitação afectada ser permanente “constituía um critério de priorização, mas tal significa que, normativamente, as habitações não permanentes também poderiam ser apoiadas, não sendo, no entanto, prioritárias”.
O que aconteceu na realidade, refere-se na auditoria, foi que houve casos de habitações não permanentes apresentadas como tal cujas candidaturas foram aceites e outros em que, perante a indicação prévia dos proprietários de que aquela era uma segunda habitação, o pedido de apoio não chegou a ser sequer concretizado ou não foi aceite pelos municípios. Se todas tivessem sido aceites, e sujeitas a uma priorização, defende o TdC, “isso teria reduzido a grande intolerância social para com os casos de habitação não permanente que acabaram incluídos no grupo de pedidos de apoio aceites, que, em rigor, até poderiam não ser contrários às regras, mas, atentas as circunstâncias, violam o princípio da igualdade”.
No exercício do contraditório, o conselho de gestão do fundo deixa várias perguntas, em jeito de resposta a estas considerações. “Se em causa estão objectivos de natureza social, não se afigura correcto o critério de habitação permanente? Não deve ser a atribuição de um tecto da casa de família que ardeu nos incêndios uma prioridade social?”, questiona-se, antes de se concluir que “foram bem excluídos os requerimentos não aceites pelas câmaras municipais, uma vez que se tratavam de uma segunda habitação”.
Também a comissão técnica argumenta que “considerou o apoio exclusivamente a habitações permanentes, pelo que não haveria lugar a hierarquização entre habitações permanentes e não permanentes”, numa posição que é acompanhada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.
O TdC admite que a decisão de excluir as segundas habitações foi tomada “pelo facto de os donativos serem limitados e insuficientes” e por haver a indicação de que haveria outros apoios para estes casos – o que viria a acontecer, ressalva –, mas não muda de opinião. “Isso não exclui que, na fase de concretização dos apoios através do Fundo Revita, não existiu precisão suficiente sobre o critério da ajuda. Este tema tornou-se fonte de grande controvérsia e suspeita, dando origem a denúncias e investigação criminal”, lê-se na auditoria.
O Fundo Revita dispunha, a 31 de Março deste ano, de 7,3 milhões de euros provenientes de donativos e de um financiamento extraordinário do Estado, no valor de 2,5 milhões de euros. Contava ainda com donativos em espécie de 600 mil euros. Dos contributos em dinheiro, o maior veio do Governo da República Democrática de Timor-Leste, que doou mais de 1,2 milhões de euros para as vítimas dos incêndios. Já no que se refere aos donativos em espécie, foi o Ikea Portugal quem mais contribuiu, doando bens no valor de quase 49 mil euros. A Mota-Engil e a PwC - PricewaterhouseCoopers doaram, em prestação de serviços, respectivamente, 250 e 210 mil euros.
O Revita apoiou a reconstrução/reabilitação de 99 habitações, mas o grosso do fundo – 58% – acabaria por ser destinado a apoios aos prejuízos agrícolas. A auditoria alerta para o facto de, ao contrário do que aconteceu com as habitações, os apoios nesta área não terem tido “mecanismos de controlo da efectiva utilização dos apoios concedidos”.
Falta de mecanismos de controlo existiu também, para o TdC, na “prevenção da fraude e corrupção”. Mais uma conclusão de que o conselho de gestão discorda. “Não foram detectadas situações de violação de princípios éticos, fraude ou corrupção (o que significa que os mecanismos existentes eram os adequados e suficientes, e não insuficientes, como referido no relato)”, referiu em sede de contraditório.
Após a divulgação da auditoria, o conselho de gestão do fundo emitiu um comunicado que reproduz parte do que já referira no contraditório apresentado ao TdC, e no qual considera que “a auditoria integra observações imprecisas e avaliações incorrectas”, desde logo por partir de um “modelo teórico ideal”, em que baseia as suas avaliações, em vez de valorizar “devidamente as circunstâncias de emergência que determinaram a urgente montagem – num curto espaço de tempo e a partir da estaca zero – de um aparelho de resposta à crise social gerada pelos incêndios”.
Os auditores do TdC defendem também que “o que faltou” em todo o processo envolvendo o Revita, “foi uma verdadeira coordenação da ajuda, que deveria também estar submetida a critérios uniformes, função que só o Estado pode assegurar”. Por isso, recomenda à Assembleia da República e ao Governo para que ponderem “um quadro legislativo global que regule a ajuda humanitária e solidária” e, ao último, para que promova “a definição de um sistema coordenado de planeamento de auxílio à reconstrução e reabilitação na sequência de calamidades”.
Já ao conselho de gestão do Revita, o TdC, entre outros aspectos, maior publicitação de todos os apoios concedidos e que “repondere os casos em que foram determinadas suspensões de pagamento”. Estes casos são os que estão a ser investigados pelo tribunal, pelo que foi decidido pelo fundo que apenas serão retomados após uma decisão judicial.