Os bebés-robô já são banais
É razoável olhar para os robôs com dúvidas: quando é que vão aprender a falar uns com os outros? Já ganham ao póquer e ao Go.
Agora que celebramos os 50 anos da ida à Lua, fui ver onde andam os robôs na Terra. Foi uma viagem de ignorante. Fui de site em site, vídeo em vídeo, texto em texto como um analfabeto numa biblioteca. Perdoem-me os leitores para quem tudo isto é velho.
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Agora que celebramos os 50 anos da ida à Lua, fui ver onde andam os robôs na Terra. Foi uma viagem de ignorante. Fui de site em site, vídeo em vídeo, texto em texto como um analfabeto numa biblioteca. Perdoem-me os leitores para quem tudo isto é velho.
Primeira surpresa: os bebés-robô são uma banalidade nas escolas públicas norte-americanas. Dois terços dos agrupamentos escolares têm simuladores de recém-nascidos que os estudantes do 10º ano levem para casa uma vez por ano. Não é uma brincadeira, é uma política pública para tentar reduzir as gravidezes na adolescência e já é um ritual de entrada na puberdade.
O robô parece um Nenuco e “age” como se fosse humano. Chora, grita, faz chichi, tem fome, cólicas e todas as coisas que nos mantêm acordados durante a noite quando os nossos filhos nascem. Como são robôs, as acções dos adolescentes ficam registadas. Deram o biberão de três em três horas? Lembraram-se do arroto? Deixaram-no a chorar sozinho? Mudaram a fralda? Abanaram-no com brusquidão para o calar? Seguraram-lhe a cabeça com cuidado?
O RealCare Baby foi inventado em 1992 (por um engenheiro desempregado e estafado por causa dos seus bebés difíceis) e é produzido pela Realityworks. Há vários preços: o bebé-robô com sequelas de mãe toxicodependente custa 399 dólares, o de mãe alcoólica 295 e o prematuro 299. Milhões de estudantes já levaram um bebé-robô para casa. São usados em 90 países. Nos EUA, em cada mil raparigas entre os 15 e os 19 anos, 22 são mães. Não se sabe o efeito do método na sexualidade dos jovens nos EUA, mas um estudo feito na Austrália em 2016, e publicado na revista The Lancet, sugere que o resultado é o oposto do desejado: os estudantes que levam bebés-robô para casa têm mais tendência a ter um filho antes dos 20 anos.
Segunda surpresa: nas feiras de robótica já não há nada parecido com o R2-D2 do Star Wars, o velho dróide-cilindro de um só olho. Desde o ano passado que o Cão desenvolvido pela Boston Dynamics já consegue abrir portas: agarra na maçaneta e roda-a para baixo — coisa que os cães não sabem fazer. A nova versão, apresentada em Abril, já tem visão em todos os lados e foi melhorada nas quedas. O velho Cão Pequeno, de 2009, e o RHex, que andam pela floresta sem cair (passam por linhas de água, lama, chão coberto de folhas secas, ultrapassam rochas e troncos caídos); ou a Pulga de Areia, de 2012, que salta para um telhado a três metros de altura ao perceber que vai bater na parede, e até o Cão Grande, de 2010 e 2013, que anda no gelo sem se desequilibrar e agarra e lança com a boca tijolos de 16 quilos a cinco metros de distância, ou o Gato Selvagem, de 2013, que anda a galope, a trote, corre a alta velocidade e faz curvas apertadas inclinando-se para o chão como vemos nas corridas de cavalos, parecem brinquedos de criança. Estes robôs escorregam em cascas de banana e levantam-se sem dificuldade.
A evolução está a ser rápida e ver os vídeos da Boston Dynamics é esclarecedor. Em 2011, o Petman faz ginástica. Quando a seguir lhe vestem um fato-macaco e escondem o esqueleto metálico, é igual a um homem. O Atlas, de 2013, caminha por cima de pedras irregulares e não cai. Quando uma esfera com 20 quilos lhe bate de lado, impulsionada por uma corda suspensa no tecto, abre os braços e levanta uma das pernas para compensar o embate. Foi uma evolução deste Atlas que, em 2016, foi passear numa floresta coberta de neve: caminha sobre os altos e baixos e não cai, dobra os joelhos, inclina-se e dá passos maiores e menores à exacta medida dos problemas que vão surgindo no terreno. O SpotMini, apresentado em 2016, baixa-se sem hesitar para passar sob uma mesa e quando entra numa cozinha desarrumada põe os copos sujos na máquina de lavar loiça e as latas de cerveja vazias no balde do lixo.
Nestes vídeos há sempre alguém — provavelmente o seu criador — a agredir o robô: empurram-no com as mãos ou com os pés e batem-lhe com um taco de hóquei. Num vídeo que parece verdadeiro mas é falso, um robô apanha com uma cadeira nas costas, uma garrafa de vidro no ombro, um chicote, spray nos “olhos” e até tiros. No fim vinga-se dos humanos. É uma paródia, mas o medo é real.
Terceira surpresa: num lar de terceira idade no Japão e em 400 na Dinamarca há dezenas de Paro, os cães-robô, usados como “terapia animal” para combater a solidão dos idosos. É um negócio com potencial. Em 2035, um terço dos japoneses terão mais de 65 anos e antes disso vão faltar 400 mil cuidadores. Ver as fotografias dos robôs no lar de Shintomi, em Tóquio, é um misto de alívio e assombro.
Aprendi no livro O Admirável Horizonte da Bioética, de Maria do Céu Patrão Neves (Glaciar/FLAD, 2016), como é delicada a fronteira entre a audácia da ciência e a lucidez da ética. É impossível não olhar para isto com dúvidas: quando é que os robôs vão aprender a falar uns com os outros? E é razoável acreditar que falta pouco tempo. Os robôs já ganham ao póquer e ao Go.