Carta aberta ao primeiro-ministro: as promessas levadas pelo vento
Qual é o racional das propostas eleitorais para a ciência e trabalho científico apresentadas recentemente pelo PS? Em particular, como se pode explicar a promessa de ter anualmente um concurso para bolsas de pós-doutoramento?
Senhor primeiro-ministro,
A verdade faz-nos mais fortes
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Senhor primeiro-ministro,
Senhor secretário-geral do Partido Socialista,
Dr. António Costa,
Sou uma investigadora científica que já teve bolsas de investigação e que agora tem um contrato de trabalho ao abrigo da norma transitória da Lei 57/2017. Sou apenas uma pessoa entre muitas em condições similares. E não podia ter ficado mais angustiada ao ler o Projecto de Programa Eleitoral do Partido Socialista (PS), partido do Governo que vossa excelência lidera e que ainda se encontra em funções.
Senhor primeiro-ministro, qual é o racional das propostas eleitorais para a ciência e trabalho científico apresentadas recentemente pelo PS, o seu partido? Em particular, como se pode explicar a promessa de ter anualmente um concurso para bolsas de pós-doutoramento?
Senhor primeiro-ministro, será que depois de se ter cumprido a promessa de atingir 5000 contratos ao abrigo dos vários programas de estímulo ao emprego científico, a vontade do PS, portanto também a vontade de vossa excelência, seja de voltar ao modelo vigente até 2015 com o trabalho científico suportado em bolsas de investigação? Bem sei que se trata de um projecto de programa eleitoral, aberto a discussão pública. No entanto, o projecto apresentado para cada “desafio” só pode ser interpretado como sendo a genuína visão do PS para a sociedade portuguesa projectada pelas acções que o PS mais deseja levar a cabo caso ganhe as eleições.
Senhor primeiro-ministro, no dia 8 de Julho o seu discurso na sessão de abertura no Encontro Ciência 2019 reconhecia o tanto que ainda há por fazer para combater a precariedade laboral no sector da ciência e ensino superior. Nessa manhã tão recente, o senhor primeiro-ministro garantiu-me que o caminho futuro passaria pela dignificação do trabalho científico com medidas de estímulo ao acesso às carreiras. Dois dias depois, tais declarações parecem não passar de promessas que, como os balões, foram levadas pelo vento. Apenas dois dias depois, o PS publica o projecto de programa eleitoral para o desafio “sociedade digital” onde se lê que a intenção, no caso de ganhar as eleições, é fazer esquecer o trabalho do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nesta legislatura relativamente aos tão destacados programas de estímulo ao emprego científico e voltar às bolsas de pós-doutoramento. É mau de mais!
Senhor primeiro-ministro, como propõe o PS que Portugal caminhe para uma sociedade baseada no conhecimento sem reconhecer o trabalho científico como verdadeiro trabalho? Ou será que o PS não acompanha este desígnio que vossa excelência repetiu várias vezes ao longo da legislatura que agora termina?
Senhor primeiro-ministro, a proposta agora apresentada só pode ser reveladora de que a investigação científica já não é, na visão do PS, relevante para o desenvolvimento social, ambiental e económico do nosso país.
Respondendo ao apelo do PS para que todos participem na elaboração do programa eleitoral, a minha proposta concreta é se incluam as propostas do programa eleitoral do PS em 2015 “4. Modernizar, qualificar e diversificar o ensino superior” e “14. Reforçar o investimento em ciência e tecnologia, democratizando a inovação”.
Senhor primeiro-ministro, a investigação científica é, indiscutivelmente, um motor fundamental para o desenvolvimento do nosso país, nomeadamente em desafios como a demografia, as desigualdades, as alterações climáticas e a sociedade digital. Na minha opinião, enquanto os trabalhadores científicos não tiverem uma situação laboral estável, o país nunca será científica e tecnologicamente avançado.