Genes mostram que a anorexia nervosa também tem uma origem metabólica

Projecto, que envolveu mais de 100 cientistas e incluiu a análise dos dados de mais de 70 mil indivíduos de 17 países, identificou oito variantes genéticas associada à anorexia. Os resultados indicam que a doença não é apenas um problema psiquiátrico, mas também tem causas metabólicas.

Foto
Cientistas analisaram dados genéticos de um total de cerca de 70 mil pessoas DR

Os cientistas analisaram os genomas de quase 17 mil doentes com anorexia nervosa e de mais de 55 mil indivíduos como grupo de controlo e encontraram oito marcadores genéticos para esta doença que é considerada uma das mais letais na área psiquiátrica. A par da já conhecida origem psiquiátrica, a “arquitectura genética” da anorexia nervosa revelou que existem também vários traços metabólicos que podem ser associados à doença. Os cientistas que assinam o artigo publicado na revista Nature Genetics defendem que a anorexia nervosa deve passar a ser encarada como uma doença psiquiátrica e metabólica e que a abordagem terapêutica deve ter o novo alvo em conta.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Os cientistas analisaram os genomas de quase 17 mil doentes com anorexia nervosa e de mais de 55 mil indivíduos como grupo de controlo e encontraram oito marcadores genéticos para esta doença que é considerada uma das mais letais na área psiquiátrica. A par da já conhecida origem psiquiátrica, a “arquitectura genética” da anorexia nervosa revelou que existem também vários traços metabólicos que podem ser associados à doença. Os cientistas que assinam o artigo publicado na revista Nature Genetics defendem que a anorexia nervosa deve passar a ser encarada como uma doença psiquiátrica e metabólica e que a abordagem terapêutica deve ter o novo alvo em conta.

O artigo agora publicado confirma que a anorexia nervosa tem correlações genéticas com alguns distúrbios psiquiátricos – como a perturbação obsessiva-compulsiva, a depressão major, a ansiedade e a esquizofrenia. Um resultado que ajuda a confirmar a natureza psiquiátrica desta doença que na literatura científica é frequentemente citada como a que tem a mais elevada taxa de mortalidade. Não é também novidade que se trata de uma patologia complexa, que afecta mais mulheres do que homens (entre 1 e 2% das mulheres e entre 0,2 e 0,4% dos homens). Estes doentes têm uma perda de peso excessiva, vivem com uma imagem corporal totalmente distorcida e um medo intenso de ganhar peso. Sintomas que podem levar à inanição e à morte. Recentemente, um estudo sobre este tipo de distúrbios alimentares concluiu que, em Portugal, as hospitalizações por anorexia nervosa duplicaram nos últimos 15 anos.

Desta vez, o projecto liderado por investigadores do King’s College de Londres e da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill (EUA), sugere que a anorexia nervosa é também uma doença metabólica, e não apenas psiquiátrica. A conclusão vem confirmar também pistas anteriores que tinham já encontrado pontos comuns entre doenças metabólicas e os distúrbios alimentares, designadamente quando se olhava, por exemplo, para alterações hormonais importantes que resultavam num desequilíbrio metabólico do organismo. No entanto, pensava-se que estes problemas metabólicos eram, acima de tudo, uma consequência da severa dieta alimentar e da inanição dos doentes com anorexia alimentar. O novo estudo indica que há certos traços metabólicos que podem estar lá antes da doença se manifestar.

Os cientistas analisaram dados recolhidos no âmbito de um projecto relacionado especificamente com o estudo genético da anorexia nervosa e também pelo grupo de especialistas dedicados a distúrbios alimentares do consórcio de genética psiquiátrica. O conjunto de dados incluiu 16.992 casos de anorexia nervosa e 55.525 indivíduos que serviram de grupo de controlo de 17 países da América do Norte, Europa e Australásia (região que inclui a Austrália, Nova Zelândia, Nova Guiné e outras pequenas ilhas da parte oriental da Indonésia).

Foto
Patologia afecta mais mulheres do que homens, entre 1 e 2% das mulheres e entre 0,2 e 0,4% dos homens Nuno Ferreira Santos

O comunicado de imprensa do King’s College sublinha três conclusões principais. “A base genética da anorexia nervosa coincide com traços metabólicos (inclusivamente glicémicos), lipídicos (gorduras) e antropométricos (medidas corporais), e o estudo mostra que isso é independente dos efeitos genéticos que influenciam o índice de massa corporal (IMC)”, sublinham os especialistas. Mas há mais coincidências. Assim, há também assinaturas genéticas comuns à anorexia nervosa e outros distúrbios psiquiátricos. Por fim, os factores genéticos que estão associados à anorexia nervosa também influenciam a actividade física, o que, concluem os cientistas, “pode explicar a tendência das pessoas com anorexia nervosa para serem muito activas”.

“Os problemas metabólicos observados em doentes com anorexia nervosa são mais frequentemente atribuídos à inanição, mas o nosso estudo mostra que as diferenças metabólicas também podem contribuir para o desenvolvimento do distúrbio. Além disso, as nossas análises indicam que os factores metabólicos podem desempenhar um papel quase tão importante como os efeitos puramente psiquiátricos”, resume Gerome Breen, investigador do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências, no King’s College, que liderou o estudo.

Citada no comunicado, Janet Treasure, outras das autoras do estudo e investigadora no mesmo instituto, acrescenta ainda: “Ao longo do tempo, tem havido uma incerteza sobre o enquadramento da anorexia nervosa devido à mistura de características físicas e psiquiátricas. Os nossos resultados confirmam essa dualidade e sugerem que a integração de informações metabólicas pode ajudar os médicos a desenvolver melhores maneiras de tratar os distúrbios alimentares.”

No artigo, os autores fazem referência a trabalhos anteriores que já tinham deixado esta hipótese em aberto. No entanto, sublinham que o tamanho da amostra usada agora neste estudo “permitiu caracterizar mais plenamente a contribuição metabólica para a anorexia nervosa”. A desregulação metabólica pode contribuir para a excepcional dificuldade que os indivíduos com anorexia nervosa têm em manter um IMC saudável (mesmo após intervenção terapêutica), argumentam os autores, concluindo que este estudo encoraja a consideração dos factores metabólicos e psicológicos da anorexia nervosa e, assim, “explora novos caminhos para tratar esta doença frequentemente letal”.