Aires Mateus ganham mais um concurso para um museu em França, desta vez em Reims
Arquitectos portugueses foram os escolhidos para requalificar um edifício com séculos de história. É o seu terceiro “projecto francês” na área dos equipamentos culturais.
Depois dos projectos para o Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré, em Tours, e do Museu dos Agostinhos, em Toulouse, os irmãos Francisco e Manuel Aires Mateus voltam a ganhar um concurso para intervir numa instituição cultural em França. Desta vez o Museu de Belas-Artes de Reims, tal como o de Toulouse instalado num edifício religioso que nasceu na Idade Média e com um passado ligado aos frades agostinhos — um complexo que foi sofrendo bastantes alterações ao longo dos séculos, de acordo com a evolução da cidade.
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Depois dos projectos para o Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré, em Tours, e do Museu dos Agostinhos, em Toulouse, os irmãos Francisco e Manuel Aires Mateus voltam a ganhar um concurso para intervir numa instituição cultural em França. Desta vez o Museu de Belas-Artes de Reims, tal como o de Toulouse instalado num edifício religioso que nasceu na Idade Média e com um passado ligado aos frades agostinhos — um complexo que foi sofrendo bastantes alterações ao longo dos séculos, de acordo com a evolução da cidade.
O anúncio foi feito esta segunda-feira pelo presidente da câmara da capital não oficial da região vinícola de Champagne e marca simbolicamente o arranque de um processo que deverá terminar com a reinauguração do museu, inteiramente renovado e com mais área e mais valências do que as que tem hoje, prevista para daqui a quatro ou cinco anos.
Fundado em 1794 e instalado, no começo do século XX, num conjunto que pertencia à antiga abadia de Saint-Denis, fechada em 1790 e parcialmente demolida, o museu guarda uma colecção que regista a evolução da arte europeia nos últimos 500 anos (em particular, e naturalmente, a francesa), tendo entre as suas obras de maior destaque pinturas e esculturas de Millet, Rodin, Renoir, Monet, Corot e Boisecq. Um acervo enriquecido, em boa parte, graças a doações de dois dos principais produtores de champanhe da região, Henry Vasnier e Alexandrine Pommery.
Aqui, tal como em Toulouse — projecto em curso, seleccionado em Dezembro do ano passado —, os arquitectos portugueses lidaram com pátios e com um edifício carregado de memórias. Mas se, no Museu dos Agostinhos a intervenção se resumirá a criar uma nova entrada que virá a completar o claustro, peça determinante do conjunto, em Reims o que lhes foi pedido é bem mais ambicioso (dez mil metros quadrados de área de intervenção).
O caderno de encargos que está na base do concurso público lançado pela autarquia — disputado numa segunda e última fase pelos arquitectos portugueses (a proposta é apresentada pelos dois irmãos, apesar de ser Francisco Aires Mateus o autor) e por mais três ateliers, dois deles franceses — prevê uma requalificação completa do edifício, incluindo a reformulação da museografia, bem como a criação de novas áreas públicas (auditório, restaurante, galeria de exposições temporárias, biblioteca e serviços pedagógicos) e de acesso reservado (centro de documentação e ateliers).
“O grande objectivo aqui, além da criação de novas áreas e da renovação de um museu que tem uma colecção muito qualificada mas que, de certa forma, perdeu fôlego, foi devolvê-lo à cidade. Queremos que as pessoas olhem para ele, que tenham consciência de que é uma parte importante daquela malha urbana e que tenham vontade de entrar outra vez”, diz Francisco Aires Mateus.
O projecto com que venceram o concurso vai articular-se, sobretudo, entre os três pátios existentes e um quarto, que vai ser criado. O museu passará a ter duas entradas, um jardim que deixa de ser visto como “as traseiras do conjunto” para se transformar num espaço que os serviços administrativos partilham com uma cafetaria que convida o visitante a parar — e, mais importante, deixa de ter um parque de estacionamento a ele colado, a perturbar claramente a sua leitura, explica o arquitecto. “O que o nosso desenho procura fazer é abrir um museu que tem estado completamente fechado, virado para dentro, reclamando espaços exteriores à cidade”, insiste.
Muros que abrem
Ao recuperar os claustros do edifício, Francisco Aires Mateus devolve-lhe, no século XXI, a memória do original de fundação medieval. “Nos conventos e mosteiros, os claustros eram lugares de deambulação, de reflexão e de ligação ao exterior. Aqui os pátios são mais para atravessar e para criar uma certa orgânica no percurso, mas também ligam o visitante ao espaço exterior e o museu à cidade.”
O projecto, sublinha o arquitecto, procura assegurar esta abertura, em parte, acrescentando muros ao edifício pré-existente. Parece um paradoxo, mas não é: “Estes muros abrem-se para as ruas da cidade e para os pátios do museu, onde há vida, animação, pessoas em trânsito. Funcionam como as antigas cercas conventuais. Dizem claramente que ali há um espaço diferente do exterior, que valoriza a contemplação, neste caso de obras de arte, e que tem um outro tempo, outros rituais, mas que não é um lugar fechado, é um lugar que comunica e que se relaciona com o que está ao lado.” Os muros, com grandes aberturas, desafiam quem está de fora a olhar lá para dentro e, juntamente com “a escada dourada” no centro de um dos pátios, são um dos “gestos contemporâneos visíveis” do projecto.
“Tudo o que está à volta deste conjunto tem uma identidade forte, sobretudo a Catedral de Reims. Nós não procurávamos competir, o que seria um disparate, procurávamos conviver e, por isso, não queríamos um edifício farol. A resposta tinha de ser outra. Foi um desafio enorme desenhar isto e um risco muito grande, já que quase tudo o que acrescento não é visível de fora.”
Escondidos ficam, por exemplo, o centro de documentação, a galeria de exposições temporárias e o auditório. E é porque o projecto implica a criação de um piso -1 que vai exigir sondagens e, muito provavelmente, trabalhos arqueológicos, que há uma “dose de imprevisibilidade” no calendário da obra (deverá estar pronta dentro de quatro ou cinco anos).
A realização de projectos em França parece estar a tornar-se uma rotina para o atelier dos irmãos Aires Mateus, “a nova conquista da Gália”, brinca o autor do “novo” Museu de Belas-Artes de Reims, uma intervenção em que não dispensam colaboradores portugueses: o escritório de engenharia acústica Inacoustics, o atelier F
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