Trump fez “vandalismo diplomático” ao rasgar acordo com o Irão, disse embaixador britânico

Kim Darroch escreveu que a decisão do Presidente dos EUA se deveu a “razões pessoais” por o acordo ter sido negociado pela Administração Obama. Autoridades já identificaram responsável pela divulgação da correspondência diplomática.

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Trump sempre se opôs ao acordo nuclear Carlos Barria/Reuters

O antigo embaixador britânico nos Estados Unidos, Kim Darroch, caracterizou a decisão do Presidente norte-americano, Donald Trump, de rasgar em 2017 o acordo nuclear com o Irão, como “acto de vandalismo diplomático”, segundo correspondência diplomática a que o Daily Mail teve acesso.

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O antigo embaixador britânico nos Estados Unidos, Kim Darroch, caracterizou a decisão do Presidente norte-americano, Donald Trump, de rasgar em 2017 o acordo nuclear com o Irão, como “acto de vandalismo diplomático”, segundo correspondência diplomática a que o Daily Mail teve acesso.

Trump tomou, diz o embaixador, a decisão por “razões pessoais” por o acordo ter sido negociado e assinado pelo seu antecessor, Barack Obama. O diplomata escreveu ainda que nem todos no círculo próximo do Presidente dos EUA concordavam com a decisão e que foram incapazes de delinear um plano para o “dia a seguir” à decisão.

O Presidente norte-americano sempre se opôs ao acordo e durante a campanha das presidenciais, prometeu, por inúmeras vezes, abandoná-lo. Acusa Teerão de continuar a desenvolver armas nucleares, mas nunca apresentou provas.

A “relação especial” entre Washington e Londres sofreu um abalo com a divulgação de correspondência diplomática e consequente reacção de Trump. Darroch escreveu que o chefe de Estado “irradia insegurança” e que não acreditava que a Administração Trump se pudesse tornar “mais normal, menos disfuncional e menos desajeitada e inepta diplomaticamente”.

Trump não gostou e pelo Twitter chamou “maluco” e “estúpido” a Darroch, caracterizando ainda como “insensata” a forma como a primeira-ministra, Theresa May, negociou a saída do Reino Unido da União Europeia. A Casa Branca garantiu que não trabalharia mais com Darroch e o embaixador demitiu-se na passada quarta-feira argumentando ser incapaz de desempenhar o cargo.

A correspondência diplomática é confidencial e é exigido aos embaixadores que relatem de forma o mais directa possível a situação dos países onde estão destacados, como recordou a primeira-ministra britânica ao defender o embaixador.

“Não é novidade que os EUA e o Reino Unido diferem na solução para garantir que o Irão não adquira armas nucleares, mas não evitamos falar sobre as nossas diferenças e em trabalhar juntos”, disse um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico à CNN, sublinhando que Londres e Washington estão a trabalhar em conjunto e em “contacto” sobre a tensão que se vive no Golfo Pérsico.

acordo nuclear com o Irão foi negociado pela Administração Obama e assinado em 2015. Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China também o assinaram num esforço de diplomacia multilateral cujo objectivo era terminar com 12 anos de crise em torno do programa nuclear iraniano. E, ao contrário de Washington, continuaram a respeitá-lo. 

Suspeito identificado

A polícia britânica já identificou o responsável pelas fugas de correspondência diplomática que foram divulgadas pelo Daily Mail, avançou entretanto o Sunday Times, citando uma fonte anónima próxima da investigação.

“Pensam saber quem fez a fuga. Foi alguém com acesso a documentos históricos”, afirmou a fonte anónima citada pelo Sunday Times. “Agora é uma questão de construir um caso que se aguente em tribunal”.

As autoridades britânicas estão a dar prioridade à investigação criminal e, para que seja resolvido o mais rapidamente possível, o serviço de informações GCHQ, homólogo da norte-americana Agência de Segurança Nacional (NSA), vai juntar-se à polícia na investigação, avançou este domingo o Daily Mail. Os seus agentes vão analisar fotografias e emails.

Além da investigação ao responsável pelas fugas de informação, a polícia ameaçou avançar com investigações criminais contra os jornais que publiquem mais informação confidencial. “Sabemos que estes documentos e outros continuam em circulação. Temos o dever de o impedir e de detectar crimes”, afirmou um comissário da polícia britânica, Neil Basu, alertando que a “publicação destes documentos pode violar a Lei de Segredos Oficiais”.

“Aconselharia todos os donos, directores e responsáveis de redes sociais e meios de comunicação tradicionais a não publicarem os documentos que já possam ter em sua posse”, concluiu Basu.

Levantou-se um coro de protesto por as autoridades poderem estar a condicionar a liberdade de imprensa. “A ameaça do Estado contra a liberdade de imprensa é um caminho muito perigoso para se trilhar”, escreveu no Twitter Matt Hancock, ministro da Saúde.

“A polícia optou pela pior abordagem possível, com mão pesada, para tentar limitar os media no seu papel de serem uma defesa contra os poderosos”, disse Ian Murray, presidente da Sociedade de Directores britânica, citado pela Al-Jazira, sublinhando ser uma abordagem que se espera de “regimes totalitários”.

Os dois candidatos à sucessão de May, um e um actual ministro dos Negócios Estrangeiros, também não ficaram à margem da polémica. Boris Johnson defendeu o direito da imprensa publicar informações que constem na correspondência diplomática. Dias antes tinha ficado sob fogo cerrado por não ter defendido a permanência do embaixador no cargo.

Jeremy Hunt, o actual chefe da diplomacia britânica, garantiu “defender o direito da imprensa publicar estas fugas de informação quando as recebem e julguem que têm interesse público”.