Educar sem violência
Quando os pais deixam de bater em casa, os filhos deixam de bater na escola. O apoio à mudança de práticas parentais educativas violentas, ensinando os valores da não-violência possibilitará que os filhos se tornem adultos saudáveis.
Se a violência entre adultos não é um comportamento aceitável na sociedade em que vivemos, não é possível admiti-la nas relações entre pais e filhos. No entanto, a avaliar pela nossa experiência, a maioria esmagadora das famílias portuguesas considera que, “quando é necessário”, o castigo físico é uma forma legítima de educar. Muitos pais continuam a acreditar que, tanto o castigo físico (“umas palmadas”), como a agressão verbal (gritos, insultos e humilhações) devem fazer parte da educação dos seus filhos. Esta é uma crença de que esses recursos agressivos são relevantes para mostrar a sua autoridade como pais.
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Se a violência entre adultos não é um comportamento aceitável na sociedade em que vivemos, não é possível admiti-la nas relações entre pais e filhos. No entanto, a avaliar pela nossa experiência, a maioria esmagadora das famílias portuguesas considera que, “quando é necessário”, o castigo físico é uma forma legítima de educar. Muitos pais continuam a acreditar que, tanto o castigo físico (“umas palmadas”), como a agressão verbal (gritos, insultos e humilhações) devem fazer parte da educação dos seus filhos. Esta é uma crença de que esses recursos agressivos são relevantes para mostrar a sua autoridade como pais.
Ao usar a violência física ou psicológica, ensinamos aos nossos filhos que a humilhação e a prepotência são meios para se alcançar o que quer que seja. Sem se aperceberem, através deste modelo de comportamento violento, os pais transmitem aos filhos o sentimento de uma baixa auto-estima, prejudicando sua saúde física e emocional, o seu desenvolvimento cognitivo e o relacionamento que estabelecem com outras pessoas.
A punição física pode desenvolver nas crianças dúvidas sobre a constância do amor dos pais, o sentimento de não serem amadas e de se atribuírem a si próprias a responsabilidade dessa rejeição — “os meus pais não gostam de mim porque eu não presto”. Os pais pensam que a punição física é uma solução rápida do problema, mas o castigo corporal faz com que a criança julgue que o amor parental lhe vai ser retirado. Os castigos “não corporais” e o diálogo são sempre melhores do que o uso da punição física.
Segundo os dados do relatório Um Rosto Familiar: A Violência na Vida de Crianças e Adolescentes, da UNICEF, de 2017: “(...) cerca de 300 milhões (três em quatro) de crianças na faixa etária de dois a quatro anos, sofrem, regularmente, disciplina violenta por parte dos seus cuidadores; 250 milhões (cerca de seis em cada dez) são punidas com castigos físicos.” (p.19).
Pelo artigo 152.º do Código Penal, revisto em 2007 — “Quem de modo reiterado ou não infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais” —, a lei proíbe que os pais batam nos filhos.
De acordo com o Relatório Nacional sobre a Implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (Portugal, 2017), “sublinha-se o objectivo estratégico de prevenir e actuar nas diferentes formas de violência contra as crianças, que contempla objectivos operacionais e indicadores na área da prevenção, segurança e adequado acompanhamento das crianças vítimas de violência” (p. 80).
É fundamental procurar soluções para uma transformação construtiva de comportamentos e atitudes neste tipo de dinâmica familiar violenta para com os filhos, com o objectivo de proporcionar aos pais uma prática educativa mais saudável para o bem-estar físico, social, emocional, cognitivo e comportamental dos filhos, procurando formas que eliminem o seu sofrimento e assegurem a protecção imediata da criança, vítima de violência por um ou por ambos os pais.
Crianças educadas com práticas educativas parentais coercivas resultam em jovens e adultos que utilizam práticas similares, uma vez que a falta de modelos positivos leva à aceitação da punição imposta pelos pais como um procedimento educativo normal (Weber; Wiezzer; Brandenburg, 2004). As crianças e os adolescentes tendem a seguir os modelos de educação dos seus pais e, dessa forma, a reproduzir a violência na relação com os outros na família e em demais contextos, como a escola. Em todo o mundo, metade dos alunos com idades entre os 13 e os 15 anos — cerca de 150 milhões de jovens — relata ter passado por violência entre pares na escola ou nas imediações desta (Relatório Unicef, 2018).
Ao contrário, quando os pais deixam de bater em casa, os filhos deixam de bater na escola. O apoio à mudança de práticas parentais educativas violentas, ensinando os valores da não-violência possibilitará que os filhos se tornem adultos saudáveis e que não repetem a punição física com seus próprios filhos.
É a desproporção física entre pais e filhos e o livre-arbítrio do poder parental que facilita o uso da violência, uma vez que dificilmente os filhos retaliarão ou poderão argumentar ao mesmo nível dos pais. O descontrolo dos pais e a consequente dor sentida pelos filhos podem fazer perigar o clima afectivo no seio da família, sobretudo se existir repetição da punição. O cansaço e as preocupações do dia-a-dia levam muitos pais a descontrolar-se e a sujeitar os filhos a agressões físicas ou psicológicas, com um sofrimento inevitável para ambas as partes.
Bater faz com que o comportamento da criança mude por medo e não por interiorizar as regras que queremos transmitir-lhe. Os pais que batem podem ser adultos muitas vezes inseguros, frequentemente insatisfeitos consigo próprios, com dificuldade em relacionar-se com os outros e que exprimem essas frustrações através da violência física. Em princípio, um adulto tem mais experiência, melhor controlo emocional e mais argumentos para explicar e convencer do que uma criança, pelo que não deve precisar de recorrer à agressão física.
Psicóloga e terapeuta familiar