A alternativa na obediência a Bruxelas
Costa mostrou que havia alternativa à receita de Passos e de Portas, mas dentro das regras da União Europeia.
Ana Sá Lopes escreveu que o resultado das eleições na Grécia é “a segunda morte do Syriza”. A primeira foi a capitulação de Alexis Tsipras perante a Comissão Europeia ao aceitar o programa de intervenção e de austeridade, após o referendo por si convocado em 2015 em que essas medidas foram rejeitadas pela maioria dos gregos.
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Ana Sá Lopes escreveu que o resultado das eleições na Grécia é “a segunda morte do Syriza”. A primeira foi a capitulação de Alexis Tsipras perante a Comissão Europeia ao aceitar o programa de intervenção e de austeridade, após o referendo por si convocado em 2015 em que essas medidas foram rejeitadas pela maioria dos gregos.
A missa de sétimo dia do Syriza e de Tsipras surgiu nesta segunda-feira através de uma declaração formal do porta-voz do Governo alemão, Steffen Seibert, que em nome da chanceler Angela Merkel saudou Kyriakos Mytsotakis, líder da Nova Democracia e vencedor das eleições com maioria absoluta no Parlamento grego. Em nome de Merkel, Seibert fez também questão de saudar Tsipras, agradecendo a sua “confiável e respeitadora cooperação”, segundo a Reuters. Pelos serviços prestados, poder-se-á dizer.
A queda de Tsipras — que António Costa incluiu na sua aliança progressista europeia — soma-se à derrota dos Socialistas e Democratas na distribuição de cargos na hierarquia de poder na União Europeia (UE). Foi com este cenário que o primeiro-ministro participou no debate do estado da nação, na quarta-feira, na Assembleia da República. E embora nenhum destes factos tenha sido relevante no balanço da legislatura, o facto é que eles evidenciaram como a doutrina, a orientação e as regras na UE não mudaram. Tal como o demonstram os resultados apresentados pelo primeiro-ministro nos últimos quatro anos.
A governação de António Costa, apoiada nos acordos bilaterais assinados pelo PS com o BE, o PCP e o PEV, caracterizou-se pela reposição de rendimentos dos trabalhadores e pela devolução de direitos. Foi, assumidamente, a devolução do que tinha sido retirado pelo governo de Passos Coelho e de Paulo Portas (2011-2015), líderes do PSD e do CDS, devido às opções que assumiram, para cumprir a austeridade imposta pelo acordo assinado, em 2011, entre o então primeiro-ministro do PS, José Sócrates, e a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, que permitiu ao Estado português um empréstimo de 78 mil milhões de euros e evitar a bancarrota.
Costa cumpriu estas devoluções e reposições num quadro económico de recuperação. O desemprego, que em 2013 atingira a taxa máxima de 16,2%, era em Abril 6,6%, um valor não verificado desde 2004. O crescimento do PIB, por pouco que seja, ajudou à melhoria da situação económica. Se na crise ele foi negativo (-1,83% em 2011, -4,03% em 2012 e -1,13% em 2013), em 2017 atingiu +2,80% e em 2018 +2,16%.
A execução orçamental fechou no primeiro trimestre deste ano sem défice e com saldo orçamental positivo de 0,4%. Quando o défice de 2018 foi de 0,5%, depois de o Governo de Costa o ter recebido em 2,9% em 2015. É de referir também que, fruto da austeridade, dos cortes na despesa pública e do “brutal” aumento de impostos, o Governo de Passos e de Portas já conseguira reduzir para limites do Tratado Orçamental o défice de 11,2% (2010), que recebeu do Governo de José Sócrates.
No debate sobre o estado da nação, o primeiro-ministro repetiu que a sua governação foi o “virar da página da austeridade”. Esta frase de propaganda pode ter efeito na gestão de níveis de confiança e em termos eleitorais, mas não significa que tenha desaparecido a austeridade.
A austeridade foi praticada de forma diversa, redistribuindo a carga fiscal, aliviando os impostos directos sobre os rendimentos do trabalho e aumentando os indirectos. Costa mostrou que havia alternativa à receita de Passos e de Portas, mas dentro das regras da UE — embora eu tenha dúvidas sobre se a baixa repentina do défice de 11,2% para 2,9%, entre 2010 e 2015, teria acontecido se tivesse havido maior respeito pelos cidadãos.
Na próxima legislatura, se o PS for governo, a aposta passará pela diminuição da dívida pública, que era 121,5% do PIB em 2018, para solidificar o crescimento económico. Mas é evidente que os compromissos e as regras impostas pela Comissão Europeia se mantiveram e que Costa as cumpriu sem hesitar. Assim como tudo indica que continuará a cumprir se o PS ganhar as legislativas de 6 de Outubro.
Até porque o resultado das europeias e o quadro de poder na UE continua dominado pela direita, quer no Parlamento Europeu quer na maioria dos governos dos Estados-membros. E não será Costa que o vai mudar, por mais que se tenha envolvido nas negociações para conseguir que o socialista Frans Timmermans fosse presidente da Comissão Europeia. E falhou. Ou seja, Costa foi submisso a Bruxelas e continuará a ser.
O percurso de Tsipras como primeiro-ministro é a prova de que não é fácil dizer não às orientações e regras da Comissão Europeia. Poderá algum país romper com o diktat e impor a mudança? Ou a UE vai soçobrar perante os populismos de direita e de esquerda?