Crime “escabroso e maquiavélico”. MP pede pena máxima para casal que matou professora
Amélia Fialho foi encontrada morta em Setembro de 2018. A filha adoptiva e o marido estão a ser acusados do crime e o Ministério Público quer que sejam condenados a 25 anos de prisão. A sentença está marcada para o dia 19 de Julho
Um crime “escabroso, maquiavélico e com requintes de barbárie”. Foi assim que o magistrado do Ministério Público descreveu o homicídio de Amélia Fialho, encontrada morta em Setembro de 2018. Pelo crime estão a ser julgados Diana Fialho, filha adoptiva da vítima, e Iuri Mata, o genro, no Tribunal de Almada.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Um crime “escabroso, maquiavélico e com requintes de barbárie”. Foi assim que o magistrado do Ministério Público descreveu o homicídio de Amélia Fialho, encontrada morta em Setembro de 2018. Pelo crime estão a ser julgados Diana Fialho, filha adoptiva da vítima, e Iuri Mata, o genro, no Tribunal de Almada.
As alegações finais foram feitas esta sexta-feira e o MP quer que Diana Fialho e Iuri Mata sejam condenados a pena máxima de 25 anos. As provas mostram a “forma frívola e animalesca” como se põe fim a uma vida, argumenta a acusação.
O procurador recordou que a vítima era uma professora que queria ser mãe e que acolheu Diana Fialho, sua filha adoptiva. Anos mais tarde, essa mesma filha terá feito um plano, juntamente com o seu marido, para se “desenvencilhar” da mãe, de forma a se apropriarem dos seus bens.
Nas alegações finais, o magistrado recordou que, quando Diana foi à PSP dar conta do desaparecimento da mãe, referiu que não tinha qualquer problema psicológico e que isso prova que a professora não podia, então, estar a tomar os medicamentos que foram encontrados na análise toxicológica dos órgãos da vítima, nomeadamente um antidepressivo e um indutor de sono.
“Esta senhora foi alvo de uma medicação que não estava prescrita por nenhum médico e que foi colocado de forma externa no seu organismo”, disse, acrescentando que “os arguidos golpearam a vítima com um martelo ou com outro objecto contundente”.
O magistrado recordou que Iuri Mata acompanhou os agentes da Polícia Judiciária pelos caminhos percorridos por si e por Diana Fialho até à zona onde o corpo da professora foi encontrado. O facto de Iuri se ter proposto a fazer isso foi considerado pelo MP como uma prova documental.
“O arguido Iuri foi indicando o caminho e o que fizeram em cada local”, disse o procurador, sublinhando que o marido de Diana Fialho ainda levou os agentes à Ponte Vasco da Gama onde largaram os óculos e a arma do crime.
Referindo-se ao relatório da autópsia, o procurador disse que entre a morte e a tentativa de carbonizar a vítima decorreu muito pouco tempo. “É uma perda de tempo estar a discutir se foi um martelo ou outro objecto que destruiu e desfigurou a vítima”, disse, referindo-se ao facto de a defesa dos arguidos ter tentado dizer que não havia um martelo, porque não foi encontrado.
E acrescentou que os vestígios de sangue na casa e no tecto do primeiro piso revelam a violência do acto praticado. Para o magistrado, o transporte do corpo não foi tarefa de uma só pessoa, mas de duas e “como é óbvio as duas pessoas que estão aqui em causa são os arguidos”.
Diana Fialho e Iuri Mata foram julgados no Tribunal de Almada pela morte de Amélia Fialho, 59 anos, professora de Físico-Química na Escola Secundária Jorge Peixinho. Os dois arguidos estão acusados de homicídio agravado e profanação de cadáver.
Imagens vídeo entre as provas
Entre as provas estão as imagens de videovigilância recolhidas no posto de gasolina. “Temos duas pessoas que são marido e mulher, que vivem juntos, mas a entrar em separado”, disse, acrescentando que, através das imagens se pode ver que adquiriram a gasolina e o isqueiro em separado, elementos que usaram para carbonizar o corpo.
Ao incendiar o corpo, o fogo propagou-se a uma zona de pasto, explicou o magistrado, para sublinhar o facto de o foco de incêndio ter sido o corpo da professora. Os agentes da Polícia Judiciária detectaram na casa o cheiro intenso a lixívia e a incensos.
“Relativamente à prova, há que dizer que a prova testemunhal foi arrasadora para estes arguidos”, disse, acrescentando que foi a prova da defesa e não da acusação que deixou os arguidos numa situação de isolamento.
O magistrado referia-se, por exemplo, ao testemunho de uma professora de Diana Fialho, que acabou por revelar que Amélia Fialho aparecia com nódoas negras e que lhe chegou a dizer que se um dia algo lhe acontecesse que suspeitasse de Diana e de Iuri.
Quase um ano depois dos factos, o MP diz que esperava que os arguidos tivessem feito uma introspecção e falassem sobre o assunto. Mas não quiseram falar.
Defesa diz que há dúvidas e pede a absolvição
A advogada de defesa de Diana Fialho, Tânia Reis, tentou colocar em causa a prova das imagens da bomba da gasolina, levantando dúvidas sobre as horas das mesmas. Além disso, diz que pagaram com cartão de crédito e que se quisessem ocultar um crime não o teriam feito. “O facto de terem comprado gasolina e isqueiro não quer dizer que os tenham usado para incendiar um corpo”, disse, acrescentando que ambos fumavam para justificar, pelo menos, a compra do isqueiro.
Depois, tentou colocar em causa as declarações, prestadas na primeira sessão do julgamento, da inspectora da Polícia Judiciária, Fátima Mira. Diz que não constam dos autos análises aos computadores nem aos telemóveis como foi referido na acusação.
Além disso, refere que Iuri fez a tal reconstituição sem ser acompanhado por um advogado. Recorde-se que Fátima Mira referiu no seu depoimento que o arguido prescindiu de ser acompanhado por um mandatário. A advogada disse que a acusação procurou queixas da professora contra a filha, mas não o contrário.
Acresce que, em relação ao testamento, e em relação ao facto de a mãe ameaçar deserdá-la e que isso pode ter sido o motivo do crime, a advogada refere que tal seria impossível porque legalmente não o poderia fazer.
Quanto à professora que era testemunha de defesa e que acabou por arrasar Diana Fialho, a advogada referiu que vinha com ideias pré-feitas porque tem havido muitos programas sensacionalistas na televisão a propósito deste assunto e que, naturalmente, a “senhora está chocada” porque era amiga de Amélia Fialho.
Além disso, “até ao encerramento do inquérito não se sabia que aquele corpo era de Dona Amélia”, refere a advogada, sublinhando que só se juntou essa prova pouco antes de começar o julgamento.
Por tudo isto, a defesa entende que há dúvidas nas provas e pede a absolvição.
Iuri tentou suicidar-se duas vezes
Já Alexandra Coelho, advogada de defesa de Iuri Mata disse que a prova é circunstancial e não contundente como diz o Ministério Público. E além disso, disse que não foi feita a prova de que os arguidos tinham elaborado um plano para matar a professora.
Alegou que a reconstituição (o passeio que Iuri fez com a Polícia Judiciária até ao local onde foi encontrado o corpo) não faz parte das provas do julgamento e a mesma não foi validada por uma autoridade judicial. Quanto ao facto de Iuri não falar, a advogada explicou que este está sob o efeito de antidepressivos, porque já se tentou matar duas vezes na cadeia.
“Não há prova bastante, nem inabalável, nem concreta”, disse, sublinhando que os arguidos já estão condenados desde o início, pelo menos, na opinião pública, pelo que tem surgido na comunicação social.
Ao afirmar isto, o juiz, Nuno Salpico, que preside ao colectivo, chamou a advogada à atenção, considerando que ao dizer que os arguidos estão condenados desde o início estava a faltar ao respeito ao Tribunal. Gerou-se uma troca de palavras entre juiz e advogada, que acatou as ordens de não responder ao magistrado e continuar com as alegações.
Alexandra Coelho, que fez questão de frisar que era advogada oficiosa, também alegou que há falhas na acusação porque se refere a provas que não constam dos autos, referindo-se à questão das perícias do computador e telemóveis. E que também não se sabe se foi numa bebida que a professora ingeriu a medicação, nem que quantidade de medicação foi ingerida, uma vez que o relatório da autópsia nada revela.
Sobre a arma do crime, a advogada diz que foi a acusação que falou num martelo, porque no relatório da autópsia só surge mencionado um “objecto de natureza contundente”.
“Face à prova em julgamento, desconhecemos o modo como foram praticados os factos”, referiu, acrescentando que a prova recolhida demonstra que algo aconteceu, mas não diz como aconteceu, nem quem fez o quê e por isso pediu a absolvição. A sentença ficou marcada para o dia 19 de Julho.