O prédio da discórdia!
Certo é que este prédio desfigurou completamente o centro histórico da cidade. Afectando a vista sob todas as perspectivas principais e tornando-se motivo de chacota grosseira desde que foi construído.
Falar sobre o “Prédio do Coutinho” nesta altura é mais difícil do que nunca. É também mais necessário. E muito mais abrangente do que as últimas narrativas construídas ao sabor das emoções do momento querem fazer crer.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Falar sobre o “Prédio do Coutinho” nesta altura é mais difícil do que nunca. É também mais necessário. E muito mais abrangente do que as últimas narrativas construídas ao sabor das emoções do momento querem fazer crer.
O que está em discussão é muito mais do que a reposição de um equilíbrio visual gravemente afectado com base numa licença emitida ainda no tempo da ditadura, em 1973, por decisão política contra o parecer do Director de Obras da Câmara Municipal de Viana do Castelo. E cujo processo conseguiu contornar também o facto de estar no âmbito da Zona Arqueológica de Viana do Castelo. O diploma que criou essa zona obrigava a que todos os projectos fossem aprovados pela Direcção-Geral dos Assuntos Culturais. Por essa razão, a mesma Direcção-Geral questionou a autarquia sobre o licenciamento da construção do edifício, de 13 andares, e chegou a exigir a suspensão das obras. Mas, pelos vistos, não teve força para fazer cumprir essa suspensão. Isto aconteceu no início de 74, antes do 25 de Abril.
Resumindo, foi, de facto, um licenciamento camarário duvidoso o que deu sustentação legal à construção do “Prédio do Coutinho”, proporcionando ao investidor ampliar para 13 andares a construção num terreno que adquiriu em hasta pública para construir com um limite de 6 andares.
Certo é que este prédio desfigurou completamente o centro histórico da cidade. Afectando a vista sob todas as perspectivas principais e tornando-se motivo de chacota grosseira desde que foi construído. Inclusive constituiu-se como um obstáculo à candidatura da cidade a património mundial.
Houve diversas tentativas para resolver o problema, vindas de diversos quadrantes e em diferentes ocasiões. Desde logo, a Comissão Administrativa, liderada por Alexandre Marta, que dirigiu o município até às primeiras eleições democráticas, e que acabou por desistir desse objectivo por falta de meios financeiros para indemnizar o dono da obra. Depois, um executivo municipal de maioria PSD, sob a presidência de Branco de Morais, tentou uma solução, mas também este acabou por não conseguir. Mais tarde, no final do segundo mandato de Defensor Moura (PS), é apresentado um Plano Estratégico para a cidade em que a demolição do edifício volta a ser colocada como uma necessidade articulada com a revitalização do centro histórico e da marginal do rio Lima.
Aquele foi o momento da politização exacerbada deste assunto. O PSD e o CDS acharam que podiam fazer do “Prédio do Coutinho” mote central das eleições autárquicas que ocorreriam nesse ano. E fizeram. Coligaram-se e convidaram Teresa Almeida Garrett Lucas Pires para liderar uma candidatura completamente focada neste tema. Defensor Moura teve a maior votação de sempre.
O Polis permitiu, a Defensor Moura, condições que ninguém antes tinha tido para resolver o problema. No âmbito do Polis foram construídos edifícios (em zonas muito próximas) para os moradores do “Prédio do Coutinho”. Seguiram-se as normais negociações em que, creio, havia sempre como alternativa uma nova habitação ou um valor de indemnização adequado. A maioria dos moradores chegou a acordo. Apenas um pequeno número, que aparece aos olhos da cidade como indisponível para qualquer acordo, não aceitou. Pessoas, muitas delas com motivações políticas, obviamente legítimas, e com capacidade para recorrer aos tribunais até às últimas consequências. E foi o que fizeram. O assunto, de instância em instância, chegou ao Tribunal Constitucional. Perderam. Depois disso ainda utilizaram uma Providência Cautelar, que também não resultou. Depois esperaram pelo momento do despejo anunciado para utilizar nova Providência Cautelar. Que se irá protelar por mais alguns dias, meses, ou anos, sabe-se lá... E, assim, continuam a usar expedientes legais para contrariar uma decisão que não querem que se concretize, com o propósito de adiar o inevitável com prejuízo para todos... até para os próprios.
Por tudo isto, falar sobre o caminho que colocou este assunto sob os holofotes dos média e das redes sociais, é falar sobre democracia, é falar sobre respeito pelas suas regras, é falar sobre o privilégio de quem tem recursos financeiros para ter um acesso permanente à Justiça, é falar sobre sobre enviesamento político, falta de informação, jornalismo sensacionalista, jogo de influências e de poder... etc., etc.
Claro que nos tem de preocupar que alguns dos protagonistas directos (porque há muitos outros indirectos pouco preocupados com isso), após duas décadas a arrastar, intencionalmente, este processo, estejam em idades que inspiram cuidados reais sobre a forma como a sua saúde resiste a este embate (que eles escolheram, antes e agora, porque suponho que ninguém quer pôr em causa a sua lucidez, diga-se).
Mas daí até não se perceber que foi feita uma chantagem emocional perigosa para todos, explorada muito para além da realidade, vai a distância do bom senso. É bom que fique claro que não estamos a falar de pessoas a ser retiradas de uma casa para a rua, como parte do país parece ter percebido. Isso acontece diariamente, noutras circunstâncias, com outros protagonistas, pobres ou empobrecidos, que são escorraçados sem contemplações e sem aparato mediático a fazer eco do seu drama.
Carlos de Torre