“Não são precisos estudos sobre cancro para se deixar de beber sumos açucarados”

Um estudo com uma amostra de mais de 100 mil franceses revela que existe uma ligação entre o consumo de sumos açucarados e o risco de se desenvolver cancro – e isto acontece mesmo com sumos de fruta 100% naturais, explica uma das autoras ao PÚBLICO.

Foto
Os sumos de fruta estão incluídos na lista Jose Luis Gonzalez/REUTERS

Um grupo de 12 cientistas franceses encontrou uma ligação entre o consumo regular de bebidas açucaradas (incluindo sumos de fruta 100% naturais) e o risco de cancro. Os resultados do estudo observacional foram obtidos através da análise dos dados relativos a 101.257 franceses com mais de 18 anos, durante um período médio de cinco anos, e foram divulgados esta quinta-feira na publicação científica British Medical Journal (BMJ).

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Um grupo de 12 cientistas franceses encontrou uma ligação entre o consumo regular de bebidas açucaradas (incluindo sumos de fruta 100% naturais) e o risco de cancro. Os resultados do estudo observacional foram obtidos através da análise dos dados relativos a 101.257 franceses com mais de 18 anos, durante um período médio de cinco anos, e foram divulgados esta quinta-feira na publicação científica British Medical Journal (BMJ).

Foto
A investigadora francesa Mathilde Touvier DR

Ainda que os cientistas reconheçam que é precisa mais investigação para se poderem estabelecer ligações directas e perceber as razões que explicam este aumento do risco de cancro, uma coisa é certa: “Está bem provado o impacto destas bebidas açucaradas nas doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade — e não é preciso esperar por estudos sobre cancro para se deixar de beber estes sumos”, diz ao PÚBLICO a investigadora e uma das autoras do estudo, Mathilde Touvier, via telefone. Em causa estão sobretudo os cancros da mama, da próstata e colo-rectal.

“A própria obesidade é também ela um factor de risco de cancro”, argumenta Touvier, há anos ligada à área da epidemiologia e da nutrição, explicando que o açúcar também contribui para “a acumulação de gordura visceral” – que, por sua vez, pode também aumentar o risco de doenças oncológicas. Mas isso não significa que as pessoas magras estejam isentas de risco, já que “esta associação com o cancro existe independentemente do peso corporal”, lê-se no estudo.

Os resultados do estudo mostram que basta um aumento no consumo de 100 mililitros por dia deste tipo de bebidas açucaradas para haver um aumento de 18% no risco de se desenvolver um tipo de cancro (e um aumento de 22% no risco de se desenvolver cancro da mama).

O açúcar escondido nos sumos de fruta

Já os sumos de fruta naturais são um perigo escondido. Analisados os tipos de sumo em separado (naturais e outros), verificou-se que o risco acrescido de cancro era uma realidade nos dois cenários. “Estes sumos têm uma boa imagem e são tidos como saudáveis pela maior parte das pessoas”, explica Mathilde Touvier, “e, ainda que não tenham aditivos como os refrigerantes artificiais, acabam por ter um nível de açúcar semelhante”.

“E parecendo-nos que é o açúcar o principal motivo desta associação ao cancro, não é assim tão surpreendente que estes sumos naturais — mesmo os 100% de fruta e mesmo aqueles feitos em casa” entrem também para a lista, justifica a investigadora francesa.

Assim sendo, os cientistas consideram necessário tomarem-se “medidas para proteger a saúde pública”, limitando o consumo de refrigerantes e criando impostos para a publicidade e venda destas bebidas açucaradas.

Foto
NELSON GARRIDO/ARQUIVO

No relatório do Governo português intitulado Impacto do imposto especial sobre o consumo de bebidas açucaradas e adicionadas de edulcorantes é explicado que as bebidas açucaradas têm sido aquelas que são alvo de medidas para restringir o seu acesso por vários motivos, incluindo o facto de “o seu consumo ser elevado” (tendo aumentado ao longo dos anos) e da “evidência científica” que os associa a um risco maior de obesidade e doenças crónicas.

Além disso, “os alimentos líquidos, tais como os refrigerantes, contribuem para uma menor saciedade” e são também “menos eficazes na estimulação da libertação de insulina, um dos sinais fisiológicos para o controlo da ingestão alimentar”.

Mais investigação

O estudo francês é um bom indicador da necessidade de se perceber quais os efeitos destas bebidas na saúde para se reduzir o seu consumo, mas para isso são precisos mais estudos contundentes: “Temos de reproduzir esta investigação e estes resultados noutros países, noutras populações, noutros contextos e hábitos de consumo, com outros perfis socioeconómicos, e fazer também estudos experimentais para poder perceber verdadeiramente os mecanismos que estão por trás disto”, observa Mathilde Touvier.

Os autores deste estudo pertencem ao Centro de Investigação Estatística de Epidemiologia Nutricional da Universidade Sorbonne-Paris-Cité (a que pertence a investigadora Mathilde Touvier), ao Departamento de Saúde Pública do Hospital Avicenne e à Agência de Saúde Pública francesa. O estudo foi feito com base nos dados recolhidos entre 2009 e 2017 através do sistema francês NutriNet-Santé.

Por agora, o trabalho deste grupo de cientistas passará por entender melhor a acção dos diferentes tipos de açúcar, diz Touvier: “Falamos da frutose, da lactose, da glicose e queremos ver se, talvez assim, consigamos saber se os açúcares presentes na fruta, nas barras de chocolate e nas bebidas açucaradas têm os mesmos efeitos na saúde”.