O adeus de Valentina Cortese, “a última diva do cinema e do teatro” italianos
Filmou com Fellini, Antonioni e Zefirelli, contracenou com Humphrey Bogart, Ava Gardner ou James Stewart. A carreira que iniciou em 1940, e que se dividiu entre a Europa e os Estados Unidos, entre o teatro e o cinema, só terminaria em 2009. Morreu esta quarta-feira em Milão, cidade onde nascera há 96 anos.
“Com a morte de Valentina Cortese, a indústria italiana do entretenimento perde a sua última diva do cinema e do teatro.” Assim o disse Carlo Fontana, presidente da Associazione Generale Italiana dello Spettacolo, e é certo que a formulação aplicada à actriz falecida esta quarta-feira em sua casa, em Milão, aos 96 anos, não será contestada por ninguém. Ao longo de uma carreira iniciada na década de 1940, Valentina Cortese trabalhou com Zefirelli, Antonioni e Fellini, com Jules Dassin, Joseph L. Mankiewicz e Robert Wise. Contracenou com Humphrey Bogart, Ava Gardner, Spencer Tracy, James Stewart, Marcelo Mastroianni e Audrey Hepburn.
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“Com a morte de Valentina Cortese, a indústria italiana do entretenimento perde a sua última diva do cinema e do teatro.” Assim o disse Carlo Fontana, presidente da Associazione Generale Italiana dello Spettacolo, e é certo que a formulação aplicada à actriz falecida esta quarta-feira em sua casa, em Milão, aos 96 anos, não será contestada por ninguém. Ao longo de uma carreira iniciada na década de 1940, Valentina Cortese trabalhou com Zefirelli, Antonioni e Fellini, com Jules Dassin, Joseph L. Mankiewicz e Robert Wise. Contracenou com Humphrey Bogart, Ava Gardner, Spencer Tracy, James Stewart, Marcelo Mastroianni e Audrey Hepburn.
Em 1975, foi nomeada pelos Óscares como Melhor Actriz Secundária, por A Noite Americana, de François Truffaut, onde, ao lado de Jacqueline Bisset e Jean-Pierre Léaud, interpretava uma actriz a lidar com o envelhecimento. A estatueta foi atribuída a Ingrid Bergman por Um Crime no Expresso Oriente. O discurso de agradecimento foi dirigido a Cortese. Bergman pediu-lhe desculpa por ter nas mãos o prémio, que, disse, deveria ter sido dela.
Nascida em Milão no primeiro dia de 1923, estreou-se no cinema em 1940, ganhou protagonismo com a Lisabetta de Le Cena delle Beffe, de Alessandro Blasetti (1942) e chamou a atenção de Hollywood depois da adaptação de Os Miseráveis, por Riccardo Freda (1948), em que encontrávamos Mastroianni então com 23 anos: a actriz interpretava duas das personagens centrais do romance de Victor Hugo, Fantine e Cosette. Logo nesse ano, assinou contrato com os poderosos estúdios da 20th Century Fox. O sucesso de The Glass Mountain, de Henry Cass, drama inglês, estreado em 1949, ambientado no contexto da Segunda Guerra Mundial, foi o prenúncio do seu período áureo na sétima arte, prolongado até à década de 1970 e dividido entre Hollywood e o trabalho em Itália, França ou Inglaterra.
Voltou ao cenário da Segunda Guerra Mundial em Malaya, ao lado de Spencer Tracy e James Stewart, foi filmada por Joseph L. Mankiewicz em A Condessa Descalça (com Humphrey Bogart e Ava Gardner) e por Michelangelo Antonioni em As Amigas. Inscreveu-se na fértil história do film noir em obras como A Casa da Colina, de Robert Wise. Foi na rodagem deste último que conheceu Richard Basehart, actor que viria a ser o seu primeiro e único marido. Casaram-se no ano da estreia do filme, 1951, e separaram-se em 1960 – do casamento nasceu Jackie Basehart, também ele actor, falecido em 2015. Próxima de Cary Grant, Charlie Chaplin ou Gregory Peck, tinha grande admiração pelo actor-símbolo dos anos dourados do cinema musical americano. A frase vem citada no obituário que lhe dedica o La Repubblica: “Com quem se deveria ter casado era com Fred Astaire: elegante, ágil, sério.”
A carreira de Cortese em Hollywood sofreria um revés quando recusou ceder aos avanços do director da 20th Century Fox, Darryl Zanuk. Ele a pôr as mãos em corpo alheio, ela a atirar-lhe um copo de whisky à cara, ele a mantê-la sob contrato mas sem lhe dar qualquer trabalho durante três anos. “Mas não queria saber de Hollywood”, recordaria anos mais tarde. “Era em Inglaterra que os jornais escreviam: ‘Primeiro Garbo, depois Bergman, agora Cortese.’” Não que a imprensa americana lhe regateasse elogios. “Com esta encarnação de uma jovem mulher italiana dilacerada pelo amor, Valentina Cortese mostra ao público uma sensibilidade rara”, lia-se na crítica do New York Times a The Glass Mountain.
Entre o trabalho com Mario Bava (A Rapariga que Sabia de mais, 1963), com Federico Fellini (Julieta dos Espíritos, 1965), com Franco Zefirelli (S. Francisco de Assis, 1972) ou, mais tardiamente, com Terry Gilliam (A Fantástica Aventura do Barão, 1988), dedicou-se àquela que dizia ser a sua grande paixão, o teatro, marcando uma era no Piccolo Teatro de Milão ao lado do histórico encenador Giorgio Strehler, com quem trabalhou obras de Pirandello, Brecht ou Goldoni. Apresentou-se em palco pela última vez em 2009, 16 anos depois da despedida do grande ecrã, que se deu com Storia di Una Capinera, de Franco Zefirelli.