Ave com patas invulgares ficou presa em âmbar durante 99 milhões de anos
Uma ave descoberta num pedaço de âmbar tinha um dos dedos das patas maior do que a parte inferior das suas pernas.
O âmbar é um autêntico passaporte para viajarmos no tempo. Desta vez, um pedaço desta resina fóssil “aprisionou” durante 99 milhões de anos uma perna e uma pata de uma ave até agora desconhecida. Nesta viagem até ao período Cretácico (entre há 145 e 66 milhões de anos), pode observar-se que esta ave tinha um dos dedos das suas patas maior do que a parte inferior das suas pernas. Segundo o guia desta viagem – o artigo científico – publicado esta quinta-feira na revista Current Biology, é a primeira vez que se encontra esta característica numa ave.
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O âmbar é um autêntico passaporte para viajarmos no tempo. Desta vez, um pedaço desta resina fóssil “aprisionou” durante 99 milhões de anos uma perna e uma pata de uma ave até agora desconhecida. Nesta viagem até ao período Cretácico (entre há 145 e 66 milhões de anos), pode observar-se que esta ave tinha um dos dedos das suas patas maior do que a parte inferior das suas pernas. Segundo o guia desta viagem – o artigo científico – publicado esta quinta-feira na revista Current Biology, é a primeira vez que se encontra esta característica numa ave.
Descoberto em 2014 no vale de Hukawng (no Norte da Birmânia), este pedaço de âmbar foi vendido a Lida Xing, paleontólogo da Universidade de Geociências da China e um dos autores do trabalho, por um comerciante local. “Fiquei muito surpreendido”, recorda o paleontólogo num comunicado do grupo Cell Press, que edita a revista Current Biology. Com 3,5 centímetros e 5,5 gramas, este pedaço de resina fossilizada tinha uma perna incompleta de um animal, uma pata e plumagem da ponta de uma asa.
“Alguns comerciantes locais ainda chegaram a pensar que era a pata de um lagarto, porque estes costumam ter patas longas”, conta Lida Xing. Contudo, a pata presa em âmbar tinha quatro dedos. “Embora nunca tenha visto uma pata como esta, sei que é de uma ave. Tal como a maioria das aves, esta pata tem quatro dedos, enquanto as dos lagartos têm cinco”, diz o paleontólogo.
Acabaram por dar a esta ave o nome científico de Elektorornis chenguangi, que significa “ave de âmbar”. A palavra “elektor” refere-se a âmbar – do grego “elektron” – e “ornis” significa ave também em grego. Já chenguangi é uma homenagem a Chen Guang, um curador do Museu do Âmbar de Hupoge, na China.
Esta espécie com 99 milhões de anos pertence ao grupo de aves já extintas Enantiornithes, que seria abundante na era Mesozóica (iniciada há 235 milhões de anos e terminada há 66 milhões de anos) e que se extinguiu há 66 milhões de anos juntamente com os dinossauros. No artigo científico, os autores salientam que este novo fóssil é a primeira espécie de uma ave a ser reconhecida a partir do âmbar.
Para analisar melhor a perna desta ave, a equipa usou a técnica de microtomografia para fazer a sua reconstituição a três dimensões. Verificou-se assim que o terceiro dedo da pata – que tem 9,8 milímetros – é 41% mais longo do que o segundo dedo e 20% maior do que o tarso-metatarso, um osso da parte inferior das pernas das aves.
A equipa comparou ainda as proporções desta ave com as de outras 20 espécies de aves já extintas e de 62 actuais. Resultado: não havia outra ave com patas como as da Elektorornis chenguangi.
Apanhar comida das árvores
Através da análise ao fóssil, a equipa concluiu ainda que esta ave já deveria ser adulta ou quase adulta e que seria mais pequena do que um pardal. Também passaria mais tempo nas árvores do que no chão ou em ambientes com água. “É comum encontrarmos dedos alongados nos animais arborícolas, porque precisam de se agarrar e enrolar à volta dos ramos”, refere no comunicado Jingmai O’Connor, paleontóloga da Academia Chinesa de Ciências e outra das autoras do trabalho.
Contudo, não se sabe exactamente a razão pela qual a Elektorornis chenguangi tinha um dos dedos das patas tão grande. Afinal, ainda não se encontrou outra ave com a mesma estrutura nas patas. Criou-se então uma hipótese baseada no aie-aie. Como este primata nocturno tem os dedos do meio das suas mãos mais longos e os usa para apanhar insectos dos troncos das árvores, a equipa pensa que a Elektorornis chenguangi deveria usar esse dedo com o mesmo propósito.
“Provavelmente, muitas destas aves mais antigas faziam coisas completamente diferentes das aves actuais. Este fóssil mostra um diferente nicho ecológico que as primeiras aves foram experimentando, enquanto estavam a evoluir”, explica Jingmai O’Connor. Pensa-se que as aves terão surgido há cerca de 150 milhões de anos, ainda durante o período Jurássico. Por sua vez, Lida Xing acrescenta que este pedaço de âmbar prova que as primeiras aves foram mais diversas do que se pensava: “Desenvolveram muitas características diferentes para se adaptarem a [diferentes] ambientes.”
Durante a era Mesozóica, o vale de Hukawng estava repleto de árvores que produziam resina, o que aprisionou a Elektorornis chenguangi. Agora, este pedaço de âmbar é também um passaporte para recuarmos 99 milhões de anos e contemplarmos o Cretácico, como já fizemos com a abelha mais antiga que se conhece, penas de dinossauro e até com uma dança de corte entre dois insectos.