Ordem dos Enfermeiros denuncia “condições desumanas” na prisão de Santa Cruz do Bispo
Sobrelotação do espaço, aliada a falta de profissionais e condições de higiene precárias, pautam “cenário de caos” na clínica de doenças mentais do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo.
A Ordem dos Enfermeiros (OE) denunciou esta quinta-feira “situações que colocam em risco a vida de utentes e de profissionais”, na clínica de doenças mentais do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos.
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A Ordem dos Enfermeiros (OE) denunciou esta quinta-feira “situações que colocam em risco a vida de utentes e de profissionais”, na clínica de doenças mentais do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos.
A situação veio a público na sequência de uma visita à ala masculina da prisão — onde está inserida a clínica — originada por denúncias feitas à OE. A visita “permitiu confirmar essa realidade: um cenário de caos, sobrelotação, falta de profissionais e condições desumanas de higiene e alojamento”, lê-se num comunicado publicado no site da Ordem dos Enfermeiros.
“Na clínica, com lotação para 90 pessoas, estão neste momento 187, sendo que num dos espaços estão 19 pessoas amontoadas, o mesmo espaço onde dormem, comem e fazem as suas necessidades. É manifesto o odor a urina, num cubículo sem distanciamento entre as camas, que são apenas estrados, onde abundam as moscas”, descreve a organização.
Além do descrito, nota a OE, não há cumprimento de práticas de controlo de infecção, “como a higienização de colchões da cama, das mãos ou a simples limpeza dos espaços físicos, o que coloca em risco os reclusos e os profissionais”.
Durante a noite, está de serviço apenas um enfermeiro para dar eventual resposta a uma prisão com 402 reclusos, 187 dos quais internados na clínica psiquiátrica. “Perante o cenário encontrado, e tendo em conta as suas atribuições e competências, a OE não pode ignorar esta situação, apelando à implementação urgente de procedimentos de segurança neste estabelecimento”, lê-se na nota.
Ministério da Justiça reconhece sobrelotação da clínica
Em resposta ao PÚBLICO, fonte do Ministério da Justiça (MJ) reconhece a sobrelotação da clínica em questão, atendendo ao facto que o estabelecimento tem 175 internados, mas refere que esta “nada tem a ver com os números apontados no comunicado”.
Segundo o ministério, a lotação total da clínica é de 140 camas (125 camas às quais se juntaram 15 de um espaço reconvertido a partir de 1 de Janeiro desde ano). “Existe ainda uma unidade de transição fora da clínica, na unidade de regime aberto para 13 inimputáveis”, refere.
De acordo com a mesma fonte, o pessoal afecto à clínica neste momento são três médicos psiquiatras, um neurologista, dois funcionários da clínica geral, um da medicina dentária, um da psicologia clínica, um de técnica de farmácia, 19 enfermeiros, quatro auxiliares de acção médica e um terapeuta ocupacional.
“Em 2018, o Ministério da Justiça internou um conjunto de cidadãos a quem fora aplicada medida judicial de internamento e que aguardavam vaga em liberdade, resolvendo uma situação que se arrastava no tempo desde há vários anos, com enorme perigo para os próprios e para a sociedade”, refere a mesma fonte que acrescenta que na Clínica de Psiquiatria e de Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, entre Novembro de 2018 e Janeiro de 2019, foram internados 13 cidadãos que se encontravam em liberdade e com decisão judicial de internamento e 14 indivíduos que estavam internados em Estabelecimentos Prisionais Comuns.
“No Hospital Júlio de Matos, foram disponibilizadas mais 12 vagas a que correspondeu igual número de internamentos de cidadãos inimputáveis que se encontravam ainda em liberdade”, refere a fonte do Ministério da Justiça em resposta ao PÚBLICO.
O MJ garante ainda que está a ser implementado um plano de investimentos que consiste na criação de uma unidade de internamento de psiquiatria forense no Hospital Magalhães de Lemos, bem como na requalificação da Unidade existente Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - Hospital de Sobral Cid, na requalificação da Clínica de Santa Cruz do Bispo e ainda na “criação de respostas no sector social para o acolhimento residencial dos cidadãos inimputáveis que já não carecem de internamento e que apenas continuam internados por falta de resposta social”.
A tutela relembra também que neste mandato o Governo reforçou a equipa de profissionais de saúde da Clínica de Santa Cruz do Bispo com três médicos (dois psiquiatras e um de clínica geral), dois enfermeiros, uma psicóloga clínica, uma técnica de farmácia e um auxiliar de acção medica, acrescentando que neste período foi pela primeira vez preenchida a totalidade dos lugares previstos no quadro de pessoal da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para enfermeiros, num total de 148 lugares.