República majestática
Pouco importa que nas últimas europeias a abstenção e os votos brancos e nulos, somados, tenham atingido mais de 76% do universo eleitoral e que apenas 24% dos eleitores tenha optado por votar em partidos e que o PS tenha ganho as eleições com os votos de apenas 8% do eleitorado...
Portugal é hoje uma República com tiques das monarquias absolutistas e a política portuguesa é cada vez mais um exercício de poder majestático.
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Portugal é hoje uma República com tiques das monarquias absolutistas e a política portuguesa é cada vez mais um exercício de poder majestático.
A prova disso é que os líderes políticos concentram um enorme poder discricionário e a política em Portugal continua a ser um condomínio fechado a que só acedem as elites. Tudo na política portuguesa é feito numa lógica “top-down”, em que as ordens de cima descem douradamente sobre os níveis inferiores de subordinados, numa relação de suserania e vassalagem.
O processo de recrutamento das elites partidárias é feito não com base em critérios objectivos, transparentes e publicamente escrutináveis, mas antes revestido de uma enorme subjectividade, opacidade e, acima de tudo, discricionariedade. Um exemplo disso mesmo é o processo de escolha dos candidatos a deputados às próximas eleições legislativas.
É chocante ver líderes partidários - que, na melhor das hipóteses, são eleitos com umas dezenas de milhar de votos - a assumirem, para si, o direito natural de escolher grande parte daqueles que serão os futuros deputados da nação. Principalmente, num sistema eleitoral como o português, onde os cidadãos não têm qualquer possibilidade de votar num candidato em concreto e estão condenados a aceitar as listas fechadas que o partido lhes apresenta como facto consumado.
E mesmo quando as escolhas dos líderes partidários surgem revestidas de aparente novidade, como é o caso dos nomes recentemente anunciados por Rui Rio para cabeças de lista do PSD, elas não traduzem um processo de renovação resultante da vontade dos cidadãos, nem tão pouco da base social de apoio do partido, mas antes da vontade exclusiva do líder. Estamos, assim, perante um processo de cooptação, e não de verdadeira renovação.
Enquanto os líderes políticos continuarem a exercer o poder de forma majestática, recusando-se a colocar nas mãos dos cidadãos as escolhas que a estes se destinam, impedindo que os representantes do povo sejam eleitos directamente pelo povo e impondo escolhas pretensamente iluminadas, mas obviamente ditadas pelo tacticismo partidário, continuarão a cavar um fosso cada vez mais fundo entre os políticos e os cidadãos e a contribuir para que o nosso sistema de representação seja cada vez menos representativo.
Pouco importa que uma maioria cada vez mais expressiva de cidadãos não participe no processo democrático. Pouco importa que nas últimas eleições europeias a abstenção e os votos brancos e nulos, somados, tenham atingido mais de 76% do universo eleitoral e que apenas 24% dos eleitores tenham optado por votar em partidos e que o PS tenha ganho as eleições com os votos de apenas 8% do eleitorado.
A triste realidade é que, apesar de toda a retórica, nenhum partido com assento na Assembleia da República esteve até hoje disponível quer para promover eleições primárias para a escolha dos seus candidatos quer para reformar a lei eleitoral, permitindo aos cidadãos a escolha directa dos seus deputados, de acordo com o que está previsto na Constituição, desde 1989. Isto é, há 30 anos.
A verdade é que dificilmente qualquer argumento, por mais esmagador que seja, será suficientemente forte para convencer os partidos a abandonar a sua “zona de conforto”, pela simples razão de que, independentemente do número de portugueses que decida votar nas próximas eleições legislativas, uma coisa é garantida: nenhuma das 230 cadeiras do Parlamento ficará por preencher. E isso é quanto basta para que nada mude.
1º subscritor do Manifesto “Eu quero escolher o meu deputado”