A poluição atmosférica já chegou ao interior dos edifícios

Um grupo de investigadores da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, fez uma extensa revisão da literatura e descobriu que os níveis de CO2 encontrados dentro de escolas, escritórios e habitações já estão a ter efeitos na saúde da população.

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A exposição a níveis moderados de CO2 produz alterações no desempenho cognitivo REUTERS

As consequências da poluição do ar para a saúde humana já são amplamente conhecidas, mas neste campo os estudos tendem a focar-se mais na poluição atmosférica no exterior. Agora, um grupo de investigadores da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, quis perceber as consequências para a saúde humana da exposição a níveis elevados poluição em espaços interiores.

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As consequências da poluição do ar para a saúde humana já são amplamente conhecidas, mas neste campo os estudos tendem a focar-se mais na poluição atmosférica no exterior. Agora, um grupo de investigadores da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, quis perceber as consequências para a saúde humana da exposição a níveis elevados poluição em espaços interiores.

Embora vários poluentes atmosféricos já tenham sido estudados à lupa, como é o caso das PM2.5 (partículas finas que medem menos de 2,5 micrómetros em diâmetro), os investigadores afirmam que há muito poucos estudos que se debruçam sobre os efeitos do dióxido de carbono (CO2) para a saúde em espaços fechados.

Os autores do estudo publicado esta semana na revista Nature Sustainability analisaram evidências actuais sobre o problema e afirmam que há um número crescente de investigações científicas que sugerem que os níveis de CO2 encontrados em espaços fechados como habitações, salas de aula, escritórios ou consultórios podem ter impactos negativos em várias áreas da saúde humana como o desempenho cognitivo, inflamações crónicas, comportamentos alimentares, stress e/ou problemas respiratórios. 

Para a base do seu estudo, a equipa analisou outras 18 publicações científicas de vários países que se debruçaram sobre os níveis de CO2 a que a população está exposta, assim como os seus impactos na saúde humana e dos animais, e sintetizaram informações de campos distintos, como a fisiologia, imunologia, psicologia cognitiva, saúde ambiental e engenharia de construção.

Segundo os investigadores, dentro da comunidade científica pensava-se que os níveis de CO2 precisavam de atingir uma concentração de pelo menos cinco mil partes por milhão (ppm) para afectar a saúde humana. Contudo, uma quantidade considerável de estudos analisados pelos autores sugere que níveis de CO2 tão baixos como 1000 ppm podem causar problemas de saúde, mesmo se a exposição se prolongar apenas por algumas horas.

“As concentrações médias de CO2 em ambientes fechados como escritórios, escolas e habitações variam geralmente entre os 600 e os 1000 ppm, mas podem exceder os 2000 ppm com o aumento da ocupação destas divisões e a redução das taxas de ventilação dos edifícios. Estas taxas podem ser reduzidas para conservar energia, reduzir as mudanças de temperatura dentro do edifício e evitar transportar poluentes atmosféricos dos ambientes externos para os internos, aumentando assim as concentrações de CO2 dentro dos edifícios”, referem os autores do estudo.

Ventilação dentro dos edifícios é desadequada

As crianças, por exemplo, dividem o seu tempo entre as salas de aula e as suas habitações. Os cientistas analisaram 28 estudos que investigaram as concentrações de CO2 em salas de aula e descobriram que todos eles revelavam que os valores médios de dióxido de carbono ultrapassam os 1000 ppm. Em alguns desses estudos, relatam os investigadores, os valores médios chegam mesmo aos de 2000 ppm, o que sugere que a ventilação utilizada nas escolas é, em grande parte dos casos, inadequada.

“Os ambientes das habitações (no geral) e dos quartos (em particular) podem também ser fontes significativas da exposição ao CO2, uma vez que as pessoas passam quase um terço da sua vida a dormir. Nas sociedades industrializadas, a população passa cerca de 80-90% do seu tempo nas suas casas, enquanto as pessoas mais frágeis, como é o caso dos idosos, podem passar o dia todo em ambientes interiores. A qualidade do ar no interior é, portanto, fundamental para a saúde pública”, lê-se no estudo.

A equipa descobriu também que vários trabalhos analisaram o impacto destes níveis de poluição no desempenho cognitivo e na produtividade da população. Num estudo que analisou a produtividade de alguns funcionários de uma empresa, descobriu-se que as suas pontuações cognitivas foram 50% mais baixas quando os participantes foram expostos a 1400 ppm de CO2 em comparação com a exposição a 550 ppm durante um dia inteiro de trabalho.

Foi também analisado o impacto deste gás nos animais. Os investigadores concluíram que algumas horas de exposição a 2000 ppm estavam ligadas a respostas inflamatórias que poderiam levar, por exemplo, a danos nos vasos sanguíneos.

Outra fonte de exposição mencionada no estudo é o trabalho sedentário em condições normais de um escritório que resulta “num ar relativamente estático porque há menos movimentação dos ocupantes dessa divisão”. Essas condições, avançam os investigadores, podem resultar em maiores concentrações de CO2 em redor do nariz e da boca, fazendo com que os ocupantes respirem o próprio CO2 que já haviam exalado.

A equipa concluiu que o aumento dos níveis de CO2 ao ar livre significará que os níveis internos deste gás irão aumentar também, situação que pode ser agravada por vários factores como o uso de certas unidades de ar condicionado ou pelo aumento da urbanização.

Embora as conclusões dos investigadores estejam expostas no estudo agora publicado, os autores referem que serão precisos mais estudos — e a longo prazo — para perceber os efeitos da poluição no interior de edifícios. “A exposição ambiental ao dióxido de carbono deve ser vista sob a perspectiva das populações vulneráveis, incluindo bebés, idosos e grupos de alta exposição, como as populações residentes em grandes centros urbanos ou em climas tropicais”, referem os autores.

A equipa defende ainda que estes estudos devem incluir grupos de menores estatutos socioeconómicos que experimentam “desigualdades nas suas condições de vida” e que estejam sujeitas a elevadas exposições a gases poluentes.