Alan Stern: “Nos próximos 300 anos, é provável que mais pessoas vivam no espaço do que na Terra”
O cientista norte-americano Alan Stern foi o responsável pela missão espacial que nos deu o primeiro vislumbre aproximado de Plutão, longe dos desfocados pixeis que conhecíamos até então. E com a possibilidade de vida mesmo na fronteira do sistema solar: “Parece existir um oceano de água por baixo do gelo em Plutão e a água está quente o suficiente para estar líquida. E onde quer que exista um oceano…”
O telemóvel de Alan Stern tem na capa uma imagem de Plutão, aproximada na superfície gelada em forma de coração, a Tombaugh Regio. “Foi a minha filha que me deu”, conta o cientista planetário, enquanto se senta para a entrevista. A vida do cientista da NASA faz-se nos Estados Unidos – nasceu em Nova Orleães e é investigador no Texas –, mas faz-se também a milhões de quilómetros da Terra. O norte-americano é há mais de uma década o responsável pela primeira missão espacial para explorar Plutão (tal como as suas cinco luas) e a cintura de Kuiper: chama-se New Horizons, e é o resultado de um financiamento da NASA de 880 milhões de dólares (cerca de 777 milhões de euros) que nos deu as primeiras imagens em alta resolução do longínquo planeta – que, para Stern, nunca deixou de o ser.
Alan Stern esteve em Portugal para participar na conferência de exploradores Glex, que assinalou, em Lisboa, na semana passada os 50 anos da chegada do homem à Lua, onde falou dos desafios da exploração espacial e da sua missão New Horizons. “Tínhamos uma única chance de sucesso”, admite — e conseguiram torná-la realidade. De resto, a vida fora da Terra é uma garantia para o cientista: “Estamos no princípio dos princípios de deixar o berço da Terra” e viver espalhados pelo sistema solar, quiçá fora dele. “Parece ficção científica, mas não é: estamos mesmo a criar uma economia extraterrestre.”
A missão New Horizons foi lançada a 19 de Janeiro de 2006, quando saiu da Terra a uma velocidade superior a qualquer outra que já descolara, ultrapassando a barreira do som em apenas 30 segundos. Já pelo espaço, a sonda apanhou boleia da gravidade de Júpiter em 2007 e fez em 2015 a sua maior aproximação a Plutão, que está a 4800 milhões de quilómetros do nosso planeta. Depois, afastou-se ainda mais e tornou-se a primeira nave espacial a explorar um objecto tão distante quanto o Ultima Thule, um “fóssil” congelado do sistema Solar que poderá ajudar a perceber melhor a sua formação. E, por agora, a New Horizons anda pelos confins do sistema Solar, a explorar as suas fronteiras e à procura de novos mundos.
A New Horizons foi histórica: passou de perto por Plutão, explorou o objecto Ultima Thule e anda agora pela cintura de Kuiper. Qual será o fim desta missão?
A New Horizons é uma nave espacial muito saudável, mesmo estando há quase 14 anos a voar. E temos energia e combustível para continuar a voar durante mais 20 anos, até ao final da década de 2030. Queremos continuar a explorar, cada vez mais longe.
Quando a sonda voou perto de Plutão, estava à espera de ver as dunas geladas de metano e os glaciares?
A partir do conhecimento base que tínhamos do uso de telescópios — tanto no espaço como em terra — já sabíamos muito sobre Plutão. Sabíamos da sua composição à superfície, sabíamos que tinha uma atmosfera, cinco luas e tínhamos algumas pistas de que seria um sítio muito interessante do ponto de vista geológico. Mas aquilo que encontrámos estava muito além das nossas expectativas, mesmo das mais arrojadas. Gosto de dizer que o nosso sistema solar guardou o melhor para o fim. Encontrámos um mundo que é tão parecido com a Terra, com montanhas, glaciares, com indícios de líquidos à superfície e uma atmosfera feita de azoto (tal como aqui respiramos), com nuvens e nevoeiro. Só encontrar algumas destas coisas teria sido espectacular. Mas Plutão é o pacote inteiro.
Qual foi a coisa mais próxima de vida que encontraram em Plutão?
Não sabemos se pode existir vida lá, a superfície é extremamente fria. Está a apenas 40 graus acima do zero absoluto [a temperatura mais baixa que possivelmente existe, medida em Kelvin, equivalente a -273,15 graus Celsius]. A sua superfície chega aos -230 graus Celsius. Mas no interior de Plutão parece existir um oceano de água por baixo do gelo e essa água está quente o suficiente para estar líquida. Portanto onde quer que exista um oceano… existe uma possível casa biológica. No futuro espero que enviemos missões para ir até esse oceano e ver o que mora ali.
Esta viagem de exploração de Plutão é uma porta aberta para explorar mundos cada vez mais distantes e mais parecidos com o nosso?
Sim, sem dúvida. A cintura de Kuiper, onde Plutão orbita, alberga muitos planetas-anão, que são planetas do tamanho de continentes na Terra. São do tamanho da Austrália ou dos Estados Unidos e são muito diferentes uns dos outros. Quando os vemos nos telescópios, vemos que têm cores diferentes, composições e densidades diferentes, números diferentes de luas, e são muito heterogéneos, tal como os planetas rochosos do sistema solar — Marte é muito diferente do nosso, por exemplo. Agora que vimos o quão cientificamente abundantes são, muitos cientistas querem enviar missões para estes outros sítios como Éris, Haumea ou Makemake. Penso que estas explorações serão uma parte importante daquilo que faremos no espaço no século XXI.
É possível que algum dia vivamos fora da Terra?
Estou convencido que sim, que as pessoas sairão da Terra e viverão nestes outros planetas. Estamos realmente no princípio dos princípios de deixar o berço da Terra e de nos mudarmos para o espaço e para os planetas. Não só para os explorarmos, mas para termos novos lugares e novos recursos para os seres humanos, para melhorar a qualidade de vida para todos os seres humanos. A visão de grande plano é um bilião de humanos a viver em todo o sistema solar. E sabemos que a Terra não aguenta isto, mas o sistema solar é tão vasto que se torna fácil fazê-lo.
Sei que será sempre especulativo, mas quanto tempo é que isto pode levar?
É difícil fazer estimativas, mas ao longo dos próximos 200 ou 300 anos é bastante provável que mais pessoas vivam no espaço do que na Terra. E quando digo espaço não digo a flutuarem por aí, digo na superfície de outros mundos.
O seu trabalho está muito relacionado com o espaço, mas nunca lá esteve. Gostaria de ter sido astronauta?
Gostava muito. E, na verdade, no próximo ano ou em 2021, estarei a voar no espaço para fazer investigação na Virgin Galactic [empresa de voos espaciais] e, espero, também noutras naves espaciais. Estou muito contente com isso.
Como é o seu dia-a-dia na missão New Horizons? Quais são as suas principais tarefas, quantas pessoas estão envolvidas?
Quando construímos a New Horizons, trabalhávamos com 2500 pessoas em várias partes dos Estados Unidos, pertencentes a várias empresas, universidades e laboratórios. Já a equipa responsável pela tripulação é bem mais pequena: são cerca de 50 pessoas, excepto quando fazemos os voos de aproximação, em que trazemos mais pessoas porque temos de ter pessoas nos centros de controlo 24 horas por dia, sete dias por semana. Nessas alturas, são cerca de 200 pessoas. E aquilo que eu faço depende daquele que é o nosso objectivo para o dia. Às vezes estou num avião, outras vezes estou em reuniões; agora, quando foi o voo de aproximação ao Ultima Thule, passei muito tempo a trabalhar em dados científicos, num computador.
Em relação à sua empresa Golden Spike: ainda tenciona enviar humanos para a Lua?
Não posso falar sobre a Golden Spike porque houve grandes mudanças.
Mas como vê esta intenção da NASA de voltar à Lua? Trará alguma coisa de novo?
É fantástico. Acho que tem muitas vantagens: benefícios económicos, científicos e de inspiração. E estou muito entusiasmado com tudo isto.
Acha que este poderá ser um dos sítios onde os humanos viverão?
Sem dúvida. Mas a Lua tem um ambiente mais complicado do que Marte, por exemplo. Na minha perspectiva, e posso estar errado, será mais como na Antárctida, onde temos bases para as pessoas trabalharem, mas não teremos cidades. Mas parece-me que desenvolveremos cidades em Marte e noutros sítios.
Agora que a New Horizons está na cintura de Kuiper, o que têm descoberto de novo?
Descobrimos que os pequenos planetas podem ser tão complicados e activos quanto os planetas maiores, como a Terra e Marte. E isso é verdadeiramente revolucionário. Sobretudo em dois aspectos: não passava sequer pelas nossas cabeças enquanto cientistas que isto poderia acontecer. Mas a outra coisa que me parece igualmente importante, ainda que não seja científico, é o quão interessadas as pessoas estão neste tipo de exploração, sobretudo pessoas da vossa geração. Eu dou cerca de 50 palestras públicas por ano, em alguns anos chega às 100. É impressionante como, mesmo agora, anos depois, as pessoas continuam entusiasmadas e isto inspira-as para viver as suas vidas de forma diferente ou mudar aquilo que querem fazer a nível profissional. E talvez seja mesmo esse o maior benefício de todos.
Quando fala deste interesse das pessoas, é curioso notar toda a discussão que houve em torno de Plutão ser ou não um planeta, quando foi considerado um planeta-anão. Como vê todo este interesse? E acha que Plutão é um planeta-anão ou não?
Sabemos que o Sol é uma estrela-anã, mas isso não faz com que deixe de ser uma estrela. É só um termo técnico. E na minha área, em ciência planetária, os planetas-anão são simplesmente considerados um tipo de planeta — e é este o tipo de Plutão —, tal como temos Júpiter e Saturno classificados como planetas gigantes, muito maiores do que a Terra. Toda aquela questão de 2006 foi um erro no percurso dos astrónomos, que não são especialistas em ciência planetária. Na ciência planetária, ignoramos isso porque, simplesmente, não está tecnicamente correcto.
A utilização da canção de Brian May [astrofísico e guitarrista dos Queen] sobre o Ultima Thule e também a sua empresa Uwingu [para dar nome às crateras de Marte] foram formas de aproximar as pessoas da ciência?
Acredito nisso, sim. Penso que comunicar ciência e progressos tecnológicos é o nosso dever. Em parte porque, no meu caso, o trabalho é feito pela NASA, que é uma agência federal do governo dos Estados Unidos, portanto é pago com o dinheiro dos impostos. Temos o dever de informar (e inspirar) as pessoas da forma como fazemos história. Mas também me parece importante porque, por todo o mundo, toda a nossa sociedade é tecnológica e precisamos de mais homens e mulheres a ingressar em carreiras de engenharia e ciência. Queremos inspirar os miúdos a seguirem carreiras STEM [ciência, tecnologia, engenharia e matemática], e física, e informática, e química — e mudar o mundo neste século XXI. De todas as espécies na Terra, só os seres humanos parecem ser afectados pela inspiração. E é muito importante para nós, quer sintamos esta inspiração nas nossas carreiras ou nas nossas vidas pessoais. A inspiração é quase tudo.
Qual diria que é o maior desafio da exploração espacial por agora?
O maior é difícil de dizer; mas há muitos grandes desafios: um deles é passar de uma era em que o voo espacial é raro para uma era em que o voo espacial é rotineiro. Isso traz desafios técnicos (para tornar esta rotina segura), desafios financeiros (para tornar estas viagens mais baratas para que se torne mais como voos comerciais), e desafios de conseguir o capital (para investir e fazermos todas as coisas que queremos fazer no espaço): desde turismo espacial à parte científica da exploração, até recursos para gerar energia, e tantas outras coisas. Parece ficção científica, mas não é: estamos mesmo a criar uma economia extraterrestre.