Uns lutam pela vitória, outros pelo último lugar

Wim Vansevenant é o recordista de lanternas vermelhas no Tour.

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Wim Vansevenant DR

“Lanterna-vermelha” é uma expressão utilizada várias vezes no desporto mundial. A aplicação mais comum é para designar o último classificado de um campeonato. Surpresa, surpresa: a expressão surgiu na Volta a França.

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“Lanterna-vermelha” é uma expressão utilizada várias vezes no desporto mundial. A aplicação mais comum é para designar o último classificado de um campeonato. Surpresa, surpresa: a expressão surgiu na Volta a França.

Desde a criação, em 1903, o pelotão do Tour era seguido por um carro específico. Circulava atrás do último ciclista e fazia reluzir uma lanterne rouge para que se identificasse bem o final do grupo de corredores. A ideia de apostar na lanterna vermelha veio, por sua vez, dos clássicos comboios de passageiros, cuja última carruagem trazia uma luz vermelha.

A importância da lanterna-vermelha – ou lanterne rouge, red lantern, "lanterninha” – cresceu ainda mais ao longo das várias décadas da Volta a França, havendo luta pela camisola amarela, mas também… pelo último lugar.

Sem criar uma camisola ou uma cerimónia especial para o lanterna-vermelha, a organização do Tour sempre tentou ignorar a importância dada pelos adeptos e por alguns dos ciclistas a esta façanha.

O belga Wim Vansevenant é o recordista de lanternas vermelhas no Tour – 2006, 2007 e 2008 – e, em 2013, explicou ao Libération o gosto pelo insucesso: “É sempre melhor do que terminar em penúltimo. As pessoas destacam o vencedor e o último classificado. E até dizem ‘pobre rapaz, deve ter sofrido’”.

Mas chegou a haver lutas ferozes por este posto. Em 2008, Vansevenant queria garantir o “hat-trick do insucesso” e, na etapa dos Campos Elísios, parou a meio de uma das voltas ao circuito final, para garantir que Bernhard Eisel não acabaria mais atrás. “Entro na história à minha maneira”, disparou.

Anos antes, em 1979, Gerhard Schönbacher percebeu que a lanterna-vermelha era uma publicidade extraordinária, mas teve um rival: Philippe Tesnière, o lanterna-vermelha do ano anterior, queria fazer o “bis” e ambos pedalaram lentamente no contra-relógio da penúltima etapa, com o propósito de perderem tempo.

Tesnière abusou e acabou por falhar o tempo máximo de controlo, sendo desclassificado. Na última etapa, nos Campos Elísios, Schönbacher parou e beijou o chão, quando percebeu que já ninguém lhe roubaria a “honra” de ser o pior ciclista do Tour.

Pergunta o leitor: “Tudo isso só para ser falado nos media?”. Sim. E com razão. Durante anos, os prémios e salários dos ciclistas eram baixos, pelo que era através da publicidade que os corredores conseguiram convites para provas e eventos de exibição – e estes poderiam triplicar-lhes o salário anual.