Uma política de digitalização do cinema nacional? “É uma coisa que não existe”
Num debate promovido pelo Curtas Vila do Conde, Tiago Baptista, director do ANIM, Luís Urbano, produtor, e João Pedro Rodrigues, realizador, discutiram a necessidade urgente de preservar a produção nacional – sob risco de alguns filmes se perderem para sempre.
“Este é um debate sobre uma coisa que não existe”, nas palavras de Tiago Baptista, director do Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (ANIM) da Cinemateca Portuguesa. Por uma Política de Digitalização do Cinema Português era o título do painel promovido esta terça-feira pelo Curtas Vila do Conde em parceria com a estrutura de agenciamento internacional do festival, a Agência da Curta-Metragem, que comemora o seu 20.º aniversário. Mas, como disse o produtor Luís Urbano (O Som e a Fúria), responsável por obras de Miguel Gomes, João Nicolau ou Manoel de Oliveira, “não há nenhuma visão estratégica que sobreviva à falta de recursos”. O realizador João Pedro Rodrigues (O Ornitólogo, Morrer como um Homem) apontou precisamente que “tem de haver um pensamento político”, porque “as coisas não se podem fazer sem recursos”.
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“Este é um debate sobre uma coisa que não existe”, nas palavras de Tiago Baptista, director do Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (ANIM) da Cinemateca Portuguesa. Por uma Política de Digitalização do Cinema Português era o título do painel promovido esta terça-feira pelo Curtas Vila do Conde em parceria com a estrutura de agenciamento internacional do festival, a Agência da Curta-Metragem, que comemora o seu 20.º aniversário. Mas, como disse o produtor Luís Urbano (O Som e a Fúria), responsável por obras de Miguel Gomes, João Nicolau ou Manoel de Oliveira, “não há nenhuma visão estratégica que sobreviva à falta de recursos”. O realizador João Pedro Rodrigues (O Ornitólogo, Morrer como um Homem) apontou precisamente que “tem de haver um pensamento político”, porque “as coisas não se podem fazer sem recursos”.
E o problema que ficou claramente definido neste debate é, de facto, a ausência de uma política consistente, e consistentemente financiada, de apoio à preservação do património cinematográfico português. “Com os recursos que tem, o ANIM pode digitalizar dez a 12 filmes por ano,” explicou Tiago Baptista. “Mas temos mais de mil longas-metragens filmadas em Portugal. São precisas infra-estruturas e técnicos especializados, e isso não existe porque o Estado não inseriu esse valor nos orçamentos da Cinemateca.”
Dentro deste quadro, os parâmetros que norteiam as opções de digitalização do ANIM são abrangentes – “um pouco de tudo,” segundo Baptista. A transposição para suportes digitais favorece também a circulação dos filmes e evita a saída de cópias em película do arquivo da instituição. O director do ANIM aponta, por curiosidade, que o elevado número de solicitações de Trás-os-Montes, de António Reis e Margarida Cordeiro, obrigou à existência de duas cópias em suporte digital que estão permanentemente fora.
No caso da O Som e a Fúria, a digitalização do acervo prossegue de acordo com as oportunidades que vão surgindo. A produtora está agora a trabalhar numa nova digitalização de A Cara que Mereces, primeira longa-metragem de Miguel Gomes, porque, explicou Luís Urbano, surgiu a oportunidade de o filme ser editado em suporte blu-ray no Reino Unido”.
Citou o caso de O Gebo e a Sombra, a última longa-metragem de Manoel de Oliveira, rodada em digital. “Aproveitámos o facto de um laboratório grego poder tirar um negativo 35mm a partir da cópia digital, com vista à preservação do filme. E isso permitiu-nos colocá-lo nos circuitos de salas japoneses e nas universidades americanas, que só projectavam em 35mm. Um aproveitamento que surgiu por nos ter sobrado algum dinheiro acabou por ajudar com o tempo a torná-lo rentável.”
A rentabilidade não é, no entanto, a lógica da preservação patrimonial. Tiago Baptista sublinha o dever de “serviço público” da Cinemateca e do ANIM, pelo que o retorno no investimento a curto prazo não é uma preocupação primária. Mas cita o sucesso (à sua escala) de algumas das edições em DVD da instituição, que esgotaram ou tiveram já reimpressões. “Com as cópias que cedemos para festivais ou retrospectivas já somámos mais de oito mil espectadores [até agora em 2019]. E se mais cópias houvesse para circular, mais espectadores haveria – a esse nível, a digitalização só pode ser positiva.”
Nuno Rodrigues, da organização do Curtas, confirmou explicando que, ao longo dos 20 anos de existência da Agência, as curtas-metragens que representa já somaram dois milhões e meio de espectadores em todo o tipo de exibições (festivais, ciclos, retrospectivas, televisões, etc.). Tudo isto embora 30 a 40% do acervo da Agência não esteja ainda digitalizado. “Muitos destes filmes ou realizadores correm o risco de desaparecer se não forem digitalizados.” O interesse existe; o que não há é recursos.
O Instituto do Cinema e Audiovisual, que foi convidado e que teria certamente uma palavra a dizer sobre este tema, acabou por não marcar presença no debate.