La Casa de Papel é sobre quem “chega ao final do mês à justa e que se atreve porque nada tem a perder”

A actriz Itziar Ituño é a inspectora Raquel Murillo e agora também tem um nome de código como os “heróis imperfeitos” da mais bem sucedida série em língua não-inglesa do Netflix. “Lisboa”, cidade que ela escolheu, está em Lisboa a falar de séries e dos ingredientes do sucesso do assalto mais mediático dos últimos anos.

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Itziar Ituño esta segunda-feira em Lisboa Ricardo Gomes/Netflix

É a mesma voz ronronante que ouvia o Professor ao telefone enquanto negociava de dentro da Casa da Moeda espanhola durante o assalto mais mediático dos últimos dois anos. Mas agora, num hotel de luxo na capital portuguesa, o nome que atribuímos a essa voz é diferente. Itziar Ituño é a actriz, Raquel Murillo é a personagem, “Lisboa” é o seu novo nome de código na terceira temporada de La Casa de Papel.

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É a mesma voz ronronante que ouvia o Professor ao telefone enquanto negociava de dentro da Casa da Moeda espanhola durante o assalto mais mediático dos últimos dois anos. Mas agora, num hotel de luxo na capital portuguesa, o nome que atribuímos a essa voz é diferente. Itziar Ituño é a actriz, Raquel Murillo é a personagem, “Lisboa” é o seu novo nome de código na terceira temporada de La Casa de Papel.

La Casa de Papel é a série em língua não-inglesa mais vista do Netflix e regressa dia 19 para uma nova temporada já em modo completamente streaming. Depois de uma estreia morna em 2017 no canal generalista espanhol Antena 3, a produção é já um exclusivo Netflix, que lhe deu gás e a fez crescer em meios e ambição. Os assaltantes liderados pelo Professor queriam cometer um crime quase sem vítimas, vestiram-se de macacões vermelhos e mediram o pulso pós-troika. Ganharam um Emmy Internacional. Agora, os novos membros até têm nomes à medida dos países onde foram bem recebidos (Bogotá para a Colômbia, Palermo para Itália, Lisboa para Portugal) e onde a série quer continuar a chegar.

Esta é a terceira vaga da ofensiva de Verão do Netflix, encetada com Dark, seguida da viral Stranger Things e coroada agora com La Casa de Papel – tudo séries para devorar como as que Itziar Ituño anda a ver (Chernobyl, Sense8 e Good Girls) ou as que já viu assim de supetão (The Handmaid’s Tale, Stranger Things, Narcos, Breaking Bad). Além de actriz, é música e socióloga e tem no currículo filmes como Loreak (2014) e a versão original da série televisiva Conta-me Como Foi (2017). Foi ela que escolheu Lisboa.

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Uma cena das filmagens da terceira temporada Tamara Arranz Ramos/Netflix

Visita Lisboa como a futura “Lisboa”. Como vê esta homenagem aos países que mais contribuíram para o sucesso de La Casa de Papel?
Quando decidiram pôr nomes de cidades a membros do grupo foram certeiros porque em cada lugar as pessoas entusiasmam-se — no Rio com o Río, em Berlim com o Berlim. Perguntaram-me, em jeito de brincadeira, que cidade escolheria e disse Lisboa porque cá tinha estado duas vezes e é uma das cidades europeias e das capitais de que mais gosto. Tem um encanto… Não sei se foi por isso que mo atribuíram, mas tive a sorte de ter o nome de que gostava.

Esta abordagem a partir dos nomes é muito Netflix, com esta estratégia mais global que tenta chegar a tanta gente?
Creio que sim, a Netflix tem muito a ver com a forma como A Casa de Papel chegou onde chegou. Estreou-se na Antena 3 com o seu êxito mas não foi uma apoteose. E quando estreou na Netflix houve mais do que um bom acolhimento, de repente as pessoas falavam de maratonas e de ver a série sem conseguir parar. Os autores não tinham pensado que um dia a série poderia ser vista em qualquer canto do mundo mas funciona muito bem e penso que vão continuar neste caminho.

Há uns meses, a vossa produção dizia ao PÚBLICO que ainda há espanhóis que não conhecem A Casa de Papel. Tem essa sensação?
Sim, creio que sim. Pode haver muitas variáveis [para o explicar], como a idade e os que vêem televisão de forma tradicional e estas coisas da Netflix lhe parecem estranhas — a minha mãe viu porque lhe pus Netflix, ela não tem internet em casa. Mas por outro lado, acho que quase toda a gente ouviu falar. Sobretudo pelo eco mundial e pelo Emmy.

O que mudou nesta temporada em termos de produção? Dir-se-ia que é tudo um pouco “mais”:  mais dinheiro, mais ambição, mais cenários.
…Mais tempo. Antes tínhamos de entregar um capítulo, que eram episódios muito maiores, por semana. Havia pressão, tínhamos de correr muito, era bastante stressante. Talvez não se cuidassem tanto os planos ou a parte técnica porque não havia esse tempo. Agora há mais meios, mais tempo.

O Professor disse, sobre o bando: “Somos criminosos, mas adoráveis”. O que é isso de um criminoso adorável?
Resumo sempre isso com uma frase: “quem rouba a um ladrão, cem anos de perdão”. Agora meteram-se com um banco, com os banqueiros. Na primeira temporada, Raquel diz que já não sabe quem são os bons nem os maus. E é isso que está em jogo aqui. Quem teve um êxito brutal foram os do macacão vermelho e não nós, os polícias (risos).

Raquel não era parte do grupo mas também não surgia como uma inimiga — era uma personagem mais próxima do espectador, sem máscaras nem macacões. 
Porque é uma polícia boa.

Quem era a inspectora Raquel para si e quem é agora Raquel como Lisboa?
Raquel era uma inspectora psicóloga, boa negociadora, uma mulher empática e que tem de lutar para se fazer respeitar num mundo de homens. Na polícia estão constantemente a tentar desautorizá-la. E há um momento em que lhe cai uma venda dos olhos e vê que está a defender a ordem e a lei num mundo que é injusto. Tem a versatilidade do outro olhar e de ver que é possível mudar — não só por amor, também me perguntava porque é que [nas histórias] as mulheres têm sempre de ser movidas pelo amor. Precisava de algo mais para a minha personagem. E agora ela está convencida de que está onde deve estar — no outro lado, na resistência.

Este momento, pós-austeridade, que originou os Indignados, o movimento Occupy... tornou La Casa de Papel numa série oportuna?
Não sei bem de onde partiu a ideia original de Aléx Pina e Jesús Colmenar, mas eles não são alheios a essa realidade, também viveram a crise, o desemprego. Surge a ideia de resistir, e uma história com ingredientes muito bons — o [uso da música da resistência anti-fascista italiana] Bella Ciao —, que plasticamente e visualmente é muito potente e que tem personagens que são heróis imperfeitos. Não são super-heróis da BD como o Super-Homem, são gente. De um estrato social que chega ao final do mês à justa e que se atreve porque nada tem a perder. E chegou numa situação em que as pessoas estão mais conscientes de que o motor é o dinheiro. A um público que estava preparado para receber uma história assim.

Outra das chaves do sucesso da série, diz a crítica, é o seu ponto de vista feminino através das suas narradoras e não só. Que tipo de coisas pode trazer essa escolha?
Vou vendo como vai mudando o panorama audiovisual, as personagens femininas que cada vez têm mais protagonismo e mais peso na hora de contar as histórias. Já não era sem tempo. Não ser só a namorada do protagonista ou a miúda a salvar. A sociedade também está a mudar a forma como pensa e ainda falta tomar mais espaços de poder, autoridade de decisão. Fazem muita falta as realizadoras, as guionistas.

Haverá uma quarta temporada de La Casa de Papel. Sem spoilers sobre a terceira temporada, que futuro pode existir para a série?
É um futuro muito complexo porque desta vez não se meteram na Casa da Moeda a fazer dinheiro, algo que só pode desestabilizar um pouco a ordem económica. Desta vez meteram-se no Banco de Espanha… Aí faz-se tremer os alicerces do banco, e a bolsa. Não sei como sairão daí os pobres de vermelho.

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Tamara Arranz/Netflix