Os mais pobres vão para o Politécnico
O sistema de ensino superior em Portugal continua profundamente elitista. Negá-lo é um mero exercício de hipocrisia.
O título deste artigo resulta de um outro publicado neste jornal no passado dia 26 de junho sobre as desigualdades no acesso ao ensino superior. O artigo, baseado num estudo dirigido pelo Prof. Alberto Amaral, concluía, entre outras coisas, que os alunos mais pobres se inscrevem, sobretudo, nos politécnicos. Para quem conhece minimamente o ensino superior português esta conclusão não surpreende. Ao contrário do que é frequentemente apregoado e do que pretendia Veiga Simão há quase 50 anos, quando lançou a Reforma do Sistema Educativo, o sistema de ensino superior em Portugal continua profundamente elitista. Negá-lo é um mero exercício de hipocrisia. Para tal basta reler o relatório da OCDE de 2006 (seguido à letra por Mariano Gago) onde se advogava sem rodeios a necessidade de reforçar o sistema binário (que divide o ensino superior em universidades e politécnicos) pelo facto de o ensino politécnico ser uma solução de recurso para alunos de estratos sociais menos favorecidos. Ou seja, trata-se de um elitismo planeado, programado, mas nunca assumido pela tutela.
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O título deste artigo resulta de um outro publicado neste jornal no passado dia 26 de junho sobre as desigualdades no acesso ao ensino superior. O artigo, baseado num estudo dirigido pelo Prof. Alberto Amaral, concluía, entre outras coisas, que os alunos mais pobres se inscrevem, sobretudo, nos politécnicos. Para quem conhece minimamente o ensino superior português esta conclusão não surpreende. Ao contrário do que é frequentemente apregoado e do que pretendia Veiga Simão há quase 50 anos, quando lançou a Reforma do Sistema Educativo, o sistema de ensino superior em Portugal continua profundamente elitista. Negá-lo é um mero exercício de hipocrisia. Para tal basta reler o relatório da OCDE de 2006 (seguido à letra por Mariano Gago) onde se advogava sem rodeios a necessidade de reforçar o sistema binário (que divide o ensino superior em universidades e politécnicos) pelo facto de o ensino politécnico ser uma solução de recurso para alunos de estratos sociais menos favorecidos. Ou seja, trata-se de um elitismo planeado, programado, mas nunca assumido pela tutela.
Diga-se em abono da verdade que o igualitarismo nas instituições de ensino superior não existe nas sociedades democráticas e modernas. Em todos os países existe uma estratificação das instituições de ensino superior promovida por uma procura diferenciada. Essa estratificação, bem patente nos países anglo-saxónicos, resulta em parte de um processo de competição, em que há universidades que ganham mais reputação que outras, atraindo por isso os melhores estudantes.
O bolorento sistema binário português é o contrário disso. Neste sistema de apartheid académico, as instituições politécnicas nunca poderão, usando uma metáfora futebolística, ascender à primeira divisão do campeonato porque isso é proibido por lei. Por muito que se esforcem e que demonstrem o seu valor académico e científico, estão condenadas a ser o recurso dos mais pobres, como reporta o artigo do PÚBLICO.
Haverá seguramente quem refute e que recorra ao argumento de que ser diferente não é ser menor e que cabe às instituições fazerem pela vida para serem procuradas pelos melhores alunos. Mas como? A regulamentação do sistema binário impede a “igual dignidade” que apregoa.
Basta olhar para o também bafiento Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, já com 12 anos, onde até se encontrou um léxico exclusivo para os politécnicos, que não podem ter reitores, mas sim presidentes, que não podem ter faculdades, mas sim escolas, que não podem ter conselhos científicos, mas sim técnico-científicos. Ou então para a carreira docente, em que a designação das categorias não tem, ao contrário da carreira universitária, equivalência em parte nenhuma do planeta. Convenhamos por isso que, pelo menos neste caso, ser diferente é ser de facto menor.
Mas os espartilhos não se ficam por aqui, porque há restrições quanto aos cursos que podem ser atribuídos, mesmo que existam competências para os ministrar. Por exemplo, em Coimbra, é uma universidade privada que tem o exclusivo da medicina veterinária, apesar de haver todas as condições materiais e humanas para essa lecionação no politécnico público. Finalmente há o grau de doutor, também exclusivo das universidades. A lei de graus e diplomas revista em 2018 deixou de impor essa restrição, mas na prática há todo um muro legislativo anterior que a mantem intocável.
Numa altura em que se preparam programas eleitorais com os olhos postos na próxima legislatura, é bom que se reflita sobre o anquilosado sistema de ensino superior português, imune a toda a mudança que se tem verificado na sociedade e nas instituições. Segundo as projeções, a mudança será ainda maior na próxima década, com a chegada do inverno demográfico ao ensino superior. Antes disso é urgente começar a repensar o sistema, pois poderemos chegar a um ponto em que não haverá pobres que cheguem para todos.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico