“Igualdade Salarial”: o hino que marcou a final do Mundial de futebol feminino

Adeptos que assistiram à conquista do Mundial pela selecção norte-americana exigiram “Igualdade Salarial” ao presidente da FIFA. “Se têm maior receita do que o homem, têm de ser recompensadas consoante o seu desempenho no relvado”, diz Jéssica Silva, jogadora do Lyon, ao P3.

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Denis Balibouse/Reuters

Um, dois, três, quatro. O número de Campeonatos do Mundo conquistados pela selecção feminina norte-americana de futebol cresce a olhos vistos, mas, ainda assim, as mulheres ganham menos do que os colegas do sexo masculino — que ainda não venceram qualquer troféu internacional. Em nove edições do Mundial, os Estados Unidos chegaram por seis vezes à final, assegurando o terceiro lugar nas restantes três participações

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Um, dois, três, quatro. O número de Campeonatos do Mundo conquistados pela selecção feminina norte-americana de futebol cresce a olhos vistos, mas, ainda assim, as mulheres ganham menos do que os colegas do sexo masculino — que ainda não venceram qualquer troféu internacional. Em nove edições do Mundial, os Estados Unidos chegaram por seis vezes à final, assegurando o terceiro lugar nas restantes três participações

Nas bancadas, após a final que os EUA venceram frente à Holanda por 2-0, os adeptos fizeram questão de relembrar o presidente da FIFA, Gianni Infantino, desta desigualdade remuneratória que tem sido denunciada por várias jogadoras. Aos poucos, o cântico “Equal Pay [Igualdade Salarial]” alastrou-se a todas as secções do Estádio de Lyon que, a uma só voz, mostrou o seu desagrado perante os responsáveis pelo futebol mundial, ou, por outras palavras, as pessoas que poderão desempenhar um papel crucial na reversão desta realidade.

Em Março, três meses antes do início do Mundial, 28 jogadoras da selecção de futebol feminino dos Estados Unidos processaram a United States Soccer Federation, queixando-se de “discriminação de género institucionalizada”. De acordo com documentos de uma auditoria a que o Wall Street Journal teve acesso, o futebol feminino norte-americano originou mais receitas do que o masculino entre 2016 e 2018. Nos últimos quatro anos, a selecção feminina fez mais 19 jogos do que a masculina. Mais receitas, maior número de jogos, menos dinheiro. Esta acção judicial foi elogiada por várias atletas, que juntaram a voz ao coro de críticas dirigidas ao órgão federativo. 

Foi ainda com este pensamento em mente que Mollt Levinson, porta-voz da selecção feminina, deixou um apelo após a conquista da competição em França: “Neste momento de orgulho tremendo para os Estados Unidos, a triste equação permanece clara para nós e os americanos já não a irão suportar. Estas atletas geram mais receitas e colhem audiências televisivas maiores, mas recebem menos dinheiro porque são mulheres, simplesmente. É tempo de a Federação corrigir esta disparidade, de uma vez por todas.”

Talvez o rosto mais visível desta luta seja o da avançada Megan Rapinoe. A californiana é uma activista política e social que, ainda antes do Mundial, expressou o seu desagrado em relação a uma eventual visita à Casa Branca, caso a selecção norte-americana triunfasse na competição. Casada com a basquetebolista olímpica Sue Bird, é uma das vozes mais activas na defesa dos direitos da comunidade LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexo e outras identidades) e foi uma das jogadoras que assinou a acção judicial que deu entrada no Dia da Mulher, celebrado a 8 de Março. Também se solidarizou com o quarterback Colin Kaepernick, ajoelhando-se também durante o hino antes de um jogo. 

“É preciso melhorar condições”, defende Jéssica Silva

No passado mês de Junho, Jéssica Silva protagonizou uma das transferência mais sonantes do futebol feminino na presente janela de transferências. A internacional portuguesa mudou-se do clube espanhol Levante para os franceses do Lyon, tetracampeão europeu feminino e um dos emblemas mais prestigiados da modalidade. Em conversa com o P3, a jogadora diz ser “claramente injusto” que as mulheres norte-americanas recebam menos do que os homens, apesar dos melhores resultados amealhados em campo. 

É um caso claramente injusto. Fico mesmo feliz por elas reivindicarem, são o [país] expoente máximo do futebol. O que estão a pedir não será para elas, muito provavelmente, mas sim para as gerações futuras. Acho que elas estão a caminhar a passos largos para que as coisas sejam diferentes, mas não sei se será atingido ou não. A mulher tem de ser valorizada consoante o seu desempenho e valor. Se têm maior receita do que o homem, têm de ser recompensadas consoante o seu desempenho no relvado”, afirma.

Quando questionada sobre a realidade portuguesa, Jéssica Silva explica que o campeonato ainda tem poucas equipas profissionais, algo que desequilibra, à partida, a escala de igualdade entre as próprias mulheres. Mas, mais importante do que os salários, a jogadora do Lyon defende um investimento nas condições de treino: “O campeonato ainda não está completamente profissional, portanto há jogadoras que ganham [dinheiro] e outras que não. Há muitas que trabalham e treinam de noite, às 22 horas, porque não têm um campo mais cedo. O horário nobre está reservado aos homens. Acho que em Portugal temos de começar a dar melhores condições a nível de equipamentos e infra-estruturas antes de pensarmos a nível salarial. Costumo dizer que em Portugal jogamos por amor à camisola.”

Elogiando a aposta dos clubes “grandes” no futebol feminino, a internacional mostra-se feliz pelo crescimento “a passos largos”, afirmando que para existir qualidade terá, obrigatoriamente, de existir investimento. Equação que os clubes, finalmente, começam a entender.