Descoberta uma forma de isolar células que poderão vir a regenerar tecido cardíaco

Equipa com cientistas portugueses conseguiu obter células cardíacas imaturas a partir de músculo cardíaco adulto que no futuro poderão melhorar a recuperação do coração após enfarte de miocárdio.

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Quando alguém tem um enfarte, o sangue deixa de conseguir passar nos vasos sanguíneos cardíacos e isso causa no músculo cardíaco (o miocárdio) a morte de cardiomiócitos, células musculares com capacidade de contracção. Como a maioria dessas células não se consegue renovar, isso contribui para que o miocárdio tenha uma fraca capacidade regenerativa, o que dificulta a recuperação de corações adultos que sofram enfartes graves com morte de tecido cardíaco. Agora, uma equipa internacional com cientistas portugueses anuncia na revista científica Plos Biology que conseguiu pela primeira vez identificar e isolar cardiomiócitos imaturos no músculo cardíaco de ratinhos adultos. Até então, pensava-se que esses cardiomiócitos com a capacidade de divisão só existiam no embrião. No futuro, os investigadores acreditam que este pode ser um tipo celular promissor para o desenvolvimento de terapias que ajudem a melhorar a recuperação cardíaca após um enfarte do miocárdio.

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Quando alguém tem um enfarte, o sangue deixa de conseguir passar nos vasos sanguíneos cardíacos e isso causa no músculo cardíaco (o miocárdio) a morte de cardiomiócitos, células musculares com capacidade de contracção. Como a maioria dessas células não se consegue renovar, isso contribui para que o miocárdio tenha uma fraca capacidade regenerativa, o que dificulta a recuperação de corações adultos que sofram enfartes graves com morte de tecido cardíaco. Agora, uma equipa internacional com cientistas portugueses anuncia na revista científica Plos Biology que conseguiu pela primeira vez identificar e isolar cardiomiócitos imaturos no músculo cardíaco de ratinhos adultos. Até então, pensava-se que esses cardiomiócitos com a capacidade de divisão só existiam no embrião. No futuro, os investigadores acreditam que este pode ser um tipo celular promissor para o desenvolvimento de terapias que ajudem a melhorar a recuperação cardíaca após um enfarte do miocárdio.

Pormenorizando, quando acontece um enfarte devido a um bloqueio na passagem do sangue na parte que irriga o ventrículo esquerdo do coração (que bombeia o sangue para todo o corpo), como o sangue não passa, todo o tecido a jusante morre, nomeadamente os cardiomiócitos. “São células muito especiais: morrem e não conseguem ser substituídas porque não têm a capacidade de se dividir de novo e porque parece não haver outras [células] progenitoras que as gere de novo”, explica ao PÚBLICO Perpétua Pinto-do-Ó, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), na Universidade do Porto e uma das orientadoras deste trabalho.

Em 2003, indica a investigadora, foi publicado um trabalho em que pela primeira vez se referia que no miocárdio adulto existiam células estaminais que “pareciam ser dedicadas a fazer as células do miocárdio”, entre elas, os cardiomiócitos. Apesar de terem sido publicados mais artigos em revistas científicas de prestígio, cerca de uma década mais tarde começaram a surgir dúvidas sobre a existência dessas células estaminais. Como tal, a equipa de Perpétua Pinto-do-Ó queria responder à questão: existem ou não células estaminais que conseguem renovar os cardiomiócitos no coração adulto? Mas o grupo da cientista não conseguiu replicar essas células estaminais e mudou de estratégia.

Em 2011, essa passou a ser a questão do doutoramento de Mariana Valente no i3S. O objectivo deste trabalho era traçar o percurso dos cardiomiócitos imaturos (que se pensava que só existiam no embrião) no músculo cardíaco desde o desenvolvimento embrionário até à fase adulta de ratinhos.

Começou então a olhar-se para os cardiomiócitos imaturos no embrião, que tem todas as células necessárias para se formar o coração. “A ideia era conseguir identificar e isolar [obter] as células que são progenitoras de cardiomiócitos e vão dar origem a cardiomiócitos, assim como outros tipos celulares que vão dar origem à vasculatura coronária e aos fibroblastos [células que vão dar uma estrutura ao coração]”, conta Mariana Valente, agora no Centro de Investigação Cardiovascular de Paris. Percebeu-se assim qual era o marcador de superfície (moléculas que funcionam como um bilhete de identidade) dos cardiomiócitos imaturos, o CD24, e eliminaram todas as células com funções que já se conheciam.

Verificou-se assim que quando os cardiomiócitos são imaturos têm um bilhete de identidade muito particular, a expressão do CD24. Este marcador foi uma “guia” que permitiu que os cientistas acompanhassem o que acontecia aos cardiomiócitos imaturos desde o desenvolvimento embrionário até à fase adulta dos ratinhos. “Durante a primeira semana de vida, a capacidade de regeneração e de proliferação desses cardiomiócitos diminui muito e é acompanhada pela diminuição do marcador de superfície”, refere Mariana Valente, salientando que também temos cardiomiócitos maduros (a maioria) que não contribuem para a recuperação do coração.

No final, concluiu-se que ainda existem células imaturas de cardiomiócitos – em número muito reduzido – na fase adulta dos ratinhos, que continuam a ter o mesmo bilhete de identidade dos cardiomiócitos imaturos presentes no desenvolvimento embrionário. “Isso pode estar na origem da capacidade de regeneração e de renovação dos cardiomiócitos após lesão”, salienta Mariana Valente. Quando a equipa provocou lesões de enfarte nos ratinhos, também observou que houve um aumento de cardiomiócitos imaturos. Provavelmente, porque essas células se dividiram.

Um ponto de partida

 “Os cardiomiócitos imaturos que identificámos são células do músculo cardíaco com alguma diferenciação, mas que se mantêm mais jovens, pelo que conseguem multiplicar-se e potencialmente formar novo músculo”, assinala Perpétua Pinto-do-Ó num comunicado do i3S. A cientista refere ainda que outras equipas já tinham relatado a existência de células com estas propriedades, mas que este trabalho é o primeiro “a descrever uma forma de as isolar não comprometendo a sua integridade para uso na clínica”. E acrescenta que foi muito importante perceber que o marcador de superfície não prejudica a viabilidade das células, o que permite isolá-las e colocá-las em cultura.  

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Cardiomiócito imaturo isolado de um coração de ratinho adulto: a vermelho, a proteína actinina cardíaca; a verde, o marcador CD24; e, a azul, núcleos da célula Mariaana Valente et al. Plos Biology

Este trabalho teve ainda a orientação de Ana Cumano, do Instituto Pasteur (França), que foi a responsável pelo desenvolvimento da estratégia do estudo dos cardiomiócitos imaturos com a técnica de citometria de fluxo, que permite analisar células cardíacas em suspensão e fazer uma quantificação dessas células e, ao mesmo tempo, isolá-las. Segundo Mariana Valente, foi esta técnica que possibilitou obter o número suficiente de células do coração e dos raros cardiomiócitos imaturos neste trabalho.

Os resultados deste trabalho são assim o ponto de partida para mais investigação científica. “Abrimos portas para estudarmos melhor quais são as propriedades destas células imaturas, de que forma as podemos estimular e melhorar a recuperação do coração após a lesão”, afirma Mariana Valente. “Por agora, sabemos que numa situação de lesão estas células conseguem aumentar em número, mas numa quantidade ainda insuficiente para recuperar o coração.” Portanto, agora quer perceber-se o que existe durante a proliferação dos cardiomiócitos ou que mecanismos estão activados.