Uma década para chegar a 12 minutos
Um antigo estudante português de Belas Artes criou um videojogo que está a causar burburinho: um assassino, um apartamento escuro, uma surpresa e 12 minutos para resolver o mistério antes que o relógio volte ao zero.
Um homem e uma mulher sentam-se para jantar em casa. Não lhes vemos as caras. Os pratos estão quase vazios. A única iluminação vem de uma pequena vela em cima da mesa e dos carros a passar na rua. Ela diz: “Tenho uma surpresa”, e põe uma caixa – com um laço vermelho – à sua frente. Ele não se mexe. “Ok”, diz. A mulher insiste: “Não queres saber o que é?” Ele já sabe.
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Um homem e uma mulher sentam-se para jantar em casa. Não lhes vemos as caras. Os pratos estão quase vazios. A única iluminação vem de uma pequena vela em cima da mesa e dos carros a passar na rua. Ela diz: “Tenho uma surpresa”, e põe uma caixa – com um laço vermelho – à sua frente. Ele não se mexe. “Ok”, diz. A mulher insiste: “Não queres saber o que é?” Ele já sabe.
É roupa para um bebé. Ela está grávida. Ele diz que já aconteceu tudo antes e que alguém os vai magoar... Instantes mais tarde, um polícia arromba a porta e acusa a mulher de ter morto o pai. Os acontecimentos precipitam-se: o polícia tenta estrangular o homem, a mulher está em pânico, o polícia exige a verdade… Mas antes de se descobrir mais: a cena muda. Um homem e uma mulher sentam-se para jantar. Não lhes vemos as caras. Os pratos estão quase vazios
A história faz parte de 12 Minutes, da autoria de Luís António. O videojogo independente – que o português de 37 anos prefere descrever como “uma experiência interactiva” – foi um dos destaques deste ano da apresentação da Microsoft na E3, a feira internacional de Los Angeles dedicada aos videojogos e o maior evento do sector. Desde então, tem gerado burburinho junto dos críticos.
Não são dadas quaisquer instruções, mas as regras são instintivas: se o personagem principal morre, o ciclo recomeça. E se o personagem principal falha em descobrir o motivo do mistério, o ciclo também recomeça. Cada tentativa dura 12 minutos, mas a ideia do jogo – que deve ser lançado no começo de 2020 para PC e Xbox – começou a ser desenvolvida há uma década. Para o criar, Luís António teve primeiro de aprender a programar.
“Na realidade, eu sou um artista de videojogos. Licenciei-me em Belas Artes porque sempre quis ajudar a criar experiência interactivas, e nos últimos 15 anos passei por empresas de videojogos no Reino Unido, Canadá e EUA. Há muito tempo que quero explorar o conceito de loops… Ciclos que se repetem, mas com as personagens a acumularem conhecimento a cada ciclo para influenciar o ciclo seguinte”, diz ao PÚBLICO Luís António, que deixou Portugal em 2005.
Nos últimos dez anos, trabalhou como director de arte no quebra-cabeças independente The Witness, e participou nas sagas de acção Manhunt e Max Payne. “Nunca desisti de um videojogo em loops. Eventualmente percebi que, se queria desenvolver a minha ideia, tinha de ser eu a fazê-la. E para isso tive de aprender a programar.”
Demorou um ano a dominar o básico. Mais três ou quatro para aprender o suficiente para corrigir os erros que fez pelo caminho. Mas só assim podia garantir que 12 Minutes era uma história – mais do que um mero jogo – e que qualquer pessoa se podia sentar e jogar, mesmo que não tivesse pegado numa consola durante anos.
“A maior parte dos meus amigos não joga. E eles eram o meu alvo”, admite o criador português, que vive com a mulher e a filha nos EUA. “A minha crítica pessoal aos videojogos é que há imenso potencial para criar experiências interactivas, porque o utilizador não é passivo como num livro ou como num filme, mas é tudo desperdiçado. Os jogos são vistos como entretenimento e não cultura. É, ‘tenho tempo livre. Vou matar pessoas durante três horas’. Eu próprio já não jogo muito.”
Em 2016, o desenvolvimento do jogo tornou-se mais fácil com o apoio da produtora norte-americana Annapurna Interactive. Luís António não revela o valor exacto do investimento, mas diz que ultrapassa o milhão de euros. Ao todo, são seis pessoas a trabalhar na equipa, mas apenas Luís António o faz a tempo inteiro.
Durante muitos anos, até encontrar financiamento para a ideia, apenas podia dedicar uma hora por dia ao jogo. “Era um compromisso e melhor do que nada”, recorda. Quando precisava, pedia aos amigos na área para lhe ensinarem a programar uma acção específica. Pelo caminho, aprendeu “que menos é mais”.
“A primeira versão era muito mais complexa. Uma ideia maluca de 24 horas, numa cidade, em que se acordava, ia-se trabalhar, e quando se chegava a casa, tínhamos a nossa mulher morta”, diz Luís António. “Mas percebi que se o ciclo é muito longo torna-se muito difícil comunicar as consequências das acções. O que está no computador do chefe é importante? Deve-se chegar atrasado? Faltar ao trabalho? Porquê? As pessoas perdem-se.”
A trama actual passa-se toda dentro das paredes de um pequeno apartamento com três divisões (cozinha, quarto e casa de banho) que é visto de cima para baixo. Basta carregar em vários objectos ou zonas para desencadear acções. “Tudo o que está no apartamento pode ser utilizado. Pode-se arrastar o copo para o lavatório para o encher. E depois para a mulher, para lhe dar a beber. Ou arrastar uma faca para uma personagem, para a atacar…”, enumera o criador. A cada ciclo, a informação que se aprende sobre os personagens desbloqueia novas opções para utilizar nos próximos. Mas nunca há dicas ou sugestões.
Também nunca se vêem as caras dos personagens. “Ao ver a cara, percebem-se as emoções. Mas sem ver a cara, é o jogador que imagina tudo. Também não há nomes. Não há nada que diga, por exemplo, isto é nos anos 90 ou nos anos 80. O objectivo é o jogo ser intemporal. Pode ser um casal americano. Ou pode ser um apartamento em Portugal.”