Cada vez mais migrantes africanos tentam chegar aos EUA pela América Latina

Número de cidadãos africanos registados pelos serviços de migração mexicanos triplicou nos primeiros quatro meses do ano. Vêm sobretudo de Angola, RD Congo e Camarões.

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Uma mulher dos Camarões e o seu filho aguardam com outros migrantes no exterior dos serviços de migração em Tapachula José Torres/Reuters

Marilyne Tatang, de 23 anos, cruzou nove fronteiras para chegar ao México desde os Camarões, na costa ocidental de África, fugindo da violência política depois de a polícia ter posto fogo à sua casa, afirma.

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Marilyne Tatang, de 23 anos, cruzou nove fronteiras para chegar ao México desde os Camarões, na costa ocidental de África, fugindo da violência política depois de a polícia ter posto fogo à sua casa, afirma.

Está a planear meter-se em breve num autocarro rumo a Norte, durante quatro dias e atravessar a décima fronteira, para os Estados Unidos. Não está sozinha – um número recorde de africanos está embarcar em aviões para a América do Sul para depois seguir viagem por milhares de quilómetros de estradas e uma difícil floresta tropical para chegar aos EUA.

Tatang, que está grávida de oito meses, cruzou um rio numa jangada para chegar ao México a 8 de Junho, um dia depois do México ter assinado um acordo com os EUA para controlar de forma mais apertada o fluxo de migrantes que rumam à fronteira mexicano-americana, o maior em mais de uma década.

Os migrantes que pretendem atravessar a fronteira sul dos EUA são, sobretudo, centro-americanos. Mas cada vez mais migrantes de meia dúzia de países africanos estão a juntar-se-lhes, fazendo crescer os apelos norte-americanos e mexicanos para que os países da América Latina façam a sua parte para diminuir o fluxo de migrantes.

À medida que mais familiares e amigos de africanos que fizeram a viagem ouvem que cruzar a América Latina até aos EUA é difícil, mas não impossível, há mais a fazer a viagem que, por sua vez, ajudam outros a seguir as suas pisadas, afirmam especialistas em migração.

As ameaças de Donald Trump de reprimir os migrantes ressoaram em todo o mundo e, paradoxalmente, estimularam alguns a explorar aquilo que consideram uma pequena janela de oportunidade, diz Michelle Mittelstadt, directora de comunicações do Migration Policy Institute, um think tank de Washington.

“Esta mensagem não está a ser ouvida apenas na América Central, também noutras partes do mundo”, refere.

Dados do Ministério do Interior mexicano dão conta que a migração de África irá bater recordes este ano. O número de africanos registados pelas autoridades mexicanas triplicou nos primeiros quatro meses de 2019 comparado com igual período do ano passado, chegando às 1900 pessoas, a maioria dos Camarões e da República Democrática do Congo, que permanece profundamente instável, anos depois de um conflito regional sangrento que levou à morte de vários milhões de pessoas.

Tatang, professora primária, afirma que fugiu do Noroeste dos Camarões devido ao agravamento da violência naquela região de língua inglesa, onde separatistas lutam por autonomia num país maioritariamente de língua francesa.

“Foi tão mau que queimaram a casa onde vivia… Ter-me-iam matado”, disse, referindo-se às forças do governo que a tentaram capturar.

Em princípio, Tatang planeava apenas passar a fronteira para a Nigéria. Só que depois ouviu que algumas pessoas tinham conseguido chegar aos EUA. “Alguém me disse: ‘podes fazer isto’. Então perguntei se uma pessoa como eu também podia, porque estou grávida”, conta. Disseram-lhe: “Faz isto, faz aquilo”.

A professora camaronesa pediu dinheiro à família para a viagem, que até agora lhe custou, segundo os seus cálculos, 5000 dólares. Começou com um voo para o Equador, onde os camaroneses podem entrar sem visto, e continuou, em autocarro e a pé, através da Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras e Guatemala, até chegar ao México.

Sentada num banco de cimento no exterior do serviço de migrações de Tapachula, no sul do México, enquanto afagava a barriga, ainda estava indecisa sobre o que fazer assim que chegasse à cidade de Tijuana, junto à fronteira com os Estados Unidos.

“Perguntarei”, disse. “Não posso dizer que quando lá chegar irei fazer isto ou aquilo, não sei. Nunca lá estive”, acrescentou.

A Reuters falou recentemente em Tapachula com cinco migrantes provenientes de Angola, Camarões e RD Congo. Alguns disseram que viajaram para o Brasil como ponto intermédio.

São uma amostra pequena entre as centenas de pessoas – incluindo haitianos, cubanos, indianos e bangladeshianos – que se aglomeravam no exterior do centro de migrações.

A volatilidade política dos últimos anos nos Camarões e na RD Congo levou a centenas de milhares de deslocados. Os congoleses-democráticos correspondiam, em 2018, ao terceiro maior grupo de novos refugiados, com 123 mil pessoas, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. A população de deslocados internos nos Camarões aumentou o ano passado para 447 mil pessoas.

O número de africanos sem documentos registados pelas autoridades mexicanas quadriplicaram em cinco anos, atingindo quase 3000 pessoas em 2018.

A maioria obtém vistos de 20 dias para atravessar o México, para depois passarem a fronteira para os EUA e solicitarem asilo. Poucos deles optam por pedir asilo no México, em parte porque não falam espanhol.

Tatang afirmou que a barreira linguística é particularmente frustrante porque ela fala inglês, tornando difícil a comunicação com os funcionários do serviço de migrações e com outros africanos, como os migrantes da RD Congo que falam maioritariamente francês.

Os que chegam aos EUA mandam conselhos para casa, ajudando a facilitar a viagem dos outros, explicou Florence Kim, porta-voz na África Ocidental e Central da Organização Internacional de Migrações.

Tal como os migrantes da América Central, alguns africanos optam por viajar com a família, na esperança que isso facilite a entrada, referiu Mittelstad, do Migrations Policy Institute.

Prevê-se que nos próximos meses mais migrantes africanos viajem para a América Latina para tentar chegar aos EUA. “Eles querem fazer alguma coisa com a sua vida. Sentem que nos seus países não têm futuro”, disse Florence Kim.