Atrasos do ministério ameaçam deixar reformas da Justiça no papel
Esta quinta-feira foram discutidos no Parlamento quatro propostas de lei, como a revisão do apoio judiciário e o novo regime de resolução de heranças litigiosas, numa altura que faltam duas semanas para o Parlamento fechar. Projectos nem sequer foram votados na generalidade.
Os atrasos do Ministério da Justiça no envio de várias propostas de lei para o Parlamento, algumas das quais consideradas centrais no sector, como a revisão do regime do apoio judiciário, ameaçam deixar muitas das mudanças sugeridas pelo Governo sem sair do papel. Isso mesmo foi assumido por vários deputados esta quinta-feira durante a discussão no plenário de quatro propostas de lei, que, a duas semanas do fecho da Assembleia da República, ainda não foram sequer votadas na generalidade.
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Os atrasos do Ministério da Justiça no envio de várias propostas de lei para o Parlamento, algumas das quais consideradas centrais no sector, como a revisão do regime do apoio judiciário, ameaçam deixar muitas das mudanças sugeridas pelo Governo sem sair do papel. Isso mesmo foi assumido por vários deputados esta quinta-feira durante a discussão no plenário de quatro propostas de lei, que, a duas semanas do fecho da Assembleia da República, ainda não foram sequer votadas na generalidade.
Essa votação estava prevista para esta sexta-feira, mas face às resistências apresentadas por vários grupos parlamentares é provável que o PS decida fazer baixar à especialidade as propostas sem votação. Mas há uma corrida contra o tempo, já que a comissão que analisa estas questões, a dos Assuntos Constitucionais, ainda está a discutir o Estatuto do Ministério Público e o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
As propostas foram apresentadas esta quinta-feira no Parlamento pela secretária de Estado Ajunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, tendo sido criticada a ausência da titular da pasta, a ministra Francisca Van Dunem.
O atraso mais flagrante e que mais críticas mereceu foi o da alteração do regime de acesso ao Direito, que pretende garantir que a falta de meios económicos não impede os mais pobres de aceder aos tribunais. A proposta só deu entrada no Parlamento no dia 11 de Junho. A deputada Andreia Neto, do PSD, lamentou o atraso, realçando que o grupo de trabalho que esteve na base desta proposta do Governo foi criado em 2016. “O Governo quer agora aprovar à pressa e a correr um diploma imprescindível”, criticou a social-democrata.
“Inexplicável e pouco edificante”
Quem também não poupou na dureza das palavras foi a deputadas centrista Vânia Dias da Silva que qualificou de “inexplicável e pouco edificante” o facto da discussão de uma reforma central da Justiça se faça a 15 dias do fim da legislatura. Considerou que será “praticamente impossível” concluir a discussão das quatro propostas de lei nas próximas duas semanas e lamentou que a ministra da Justiça não tenha sequer ido ao Parlamento dar a cara por quatro propostas do seu ministério. A parlamentar do CDS lembrou que sempre que os deputados questionaram a ministra sobre o estado das reformas esta referiu que estavam a trabalhar nelas. “Trabalhou tanto, tanto que trabalhou tarde e trabalhou mal”, criticou Vânia Dias da Silva. Defendeu ainda que a proposta é “coxa” já que não veio acompanhada da revisão do regime das custas judiciais.
Apesar de sublinharem a importância na revisão do regime do apoio judiciário, os deputados do BE e do PCP não deixaram de criticar algumas opções do projecto. José Manuel Pureza, do BE, lamentou que tenha sido retirado da lei o conceito de insuficiência económica e que o mesmo tenha sido remetido para um decreto regulamentar que fica nas mãos do Governo e cujo conteúdo se desconhece. Pureza disse que o BE não está disponível para viabilizar um “salto no escuro”.
A mesma crítica fez o deputado comunista António Filipe, que sublinhou a importância deste regime não só para os mais desfavorecidos. “Há uma parte da população que não sendo a mais pobre mesmo assim não tem capacidade para recorrer aos tribunais”, salientou. O comunista diz que sem o conceito de insuficiência económica na lei o Parlamento fica sem saber se o acesso à Justiça vai ser alargado ou restringido. “A nova lei tem que dar um sinal muito claro, que tem que permitir o acesso de mais pessoas à Justiça”, afirmou.
Na resposta às críticas, Helena Mesquita Ribeiro justificou que o regime de acesso ao Direito é uma matéria de elevada complexidade que implicou um “trabalho árduo” que não foi possível apresentar mais cedo. A governante pediu um esforço acrescido aos deputados. “O amor ao trabalho aperfeiçoa a obra”, lançou a secretária de Estado. Já depois de terminado o plenário, o PÚBLICO confrontou o Ministério da Justiça com os vários atrasos, tendo a resposta se centrado unicamente na demora do regime de acesso ao Direito.
O gabinete de Francisca Van Dunem diz que o processo de trabalho deste diploma foi “longo” devido às “muitas paragens” associadas à necessidade de opções tomadas pelo grupo de trabalho terem que ser validadas pelos órgãos competentes das entidades representadas. “Houve uma equação de difícil equilíbrio entre as necessidades de acesso ao direito e o correspondente financiamento pelo Estado que exigiu uma grande ponderação para se evitar situações de ruptura ou incumprimento”, afirma o ministério. O Governo afirma que gostaria de ter podido apresentar antes o novo regime do apoio judiciário, mas sublinha “ter a expectativa que seja possível no quadro parlamentar aprovar o diploma”.
Quatro propostas
Das quatro propostas apresentadas, a que reuniu mais consenso foi a que revê a forma de resolução dos processo de heranças litigiosos, os conflitos que demoraram mais tempo a resolver nos tribunais e que, por isso, desde Setembro de 2013 foram atribuídos quase em exclusividade aos notários.
A maioria dos partidos mostrou-se genericamente de acordo com a proposta que permite aos cidadãos optar entre recorrer aos tribunais ou aos notários para resolver as partilhas litigiosas de bens, os chamados processos de inventários, possibilitando igualmente aos notários escolher se querem ou não tramitar este tipo de processos. A posição mais crítica foi assumida pelo deputado bloquista José Manuel Pureza que criticou o facto de passar “a existir um país e dois sistemas”. E lamentou: “Não se resolve nada, cria-se confusão”.
O bloquista apelidou de “erro crasso” a retirada das partilhas litigiosas de bens dos tribunais o que chamou uma “privatização da Justiça em nome do descongestionamento dos tribunais”. Mesmo assim, Pureza admitiu que o regresso parcial dos inventários aos tribunais “pode ser o início de um caminho”.
Muito criticada por todos os partidos foi a alteração do regime das perícias médico-legais e forense. PCP, Bloco, PSD e CDS consideraram que a proposta do Governo abre a porta à privatização deste tipo de peritagens, o que não consideraram aceitável, defendendo que a aposta deve ser feita no reforço de meios do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.