Como explicar o “inexplicável” a Azeredo Lopes
Terá Azeredo acreditado que a omissão defendia as Forças Armadas? Terá sido mal aconselhado? Pouco interessa. Interessa sim que a justiça esclareça o que os interesses partidários não deixaram esclarecer no Parlamento
Azeredo Lopes veio na madrugada de quinta-feira dizer que “é absolutamente inexplicável” a decisão judicial que o constitui como arguido por suspeita de denegação de Justiça e prevaricação na inenarrável ópera-bufa de Tancos. Será? Seguindo o rasto de um memorando apócrifo que chegou ao seu chefe de gabinete dando conta que a recuperação das armas roubadas tinha sido encenada, e analisando o que o ex-ministro disse ao longo do tempo, conclui-se o contrário. Seria sim “inexplicável” que o Ministério Público cruzasse os braços e deixasse nós por desatar.
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Azeredo Lopes veio na madrugada de quinta-feira dizer que “é absolutamente inexplicável” a decisão judicial que o constitui como arguido por suspeita de denegação de Justiça e prevaricação na inenarrável ópera-bufa de Tancos. Será? Seguindo o rasto de um memorando apócrifo que chegou ao seu chefe de gabinete dando conta que a recuperação das armas roubadas tinha sido encenada, e analisando o que o ex-ministro disse ao longo do tempo, conclui-se o contrário. Seria sim “inexplicável” que o Ministério Público cruzasse os braços e deixasse nós por desatar.
Bastam duas citações de Azeredo Lopes para que a decisão da justiça se perceba. A 4 de Outubro de 2018, Azeredo Lopes garantia “categoricamente” ser “totalmente falso que eu tenha tido conhecimento de qualquer encobrimento neste processo”; noutra, proferida no dia 8 de Maio, admitia ter tido conhecimento do “essencial” do memorando, embora o tenha lido integralmente apenas no dia 12 de Setembro do ano passado, quando a sua permanência no Governo se tornou insustentável.
O que a primeira citação prova é que, inicialmente, o ex-ministro tentou esvaziar o escândalo causado com a revelação pública do memorando que expunha a colaboração da Judiciária militar com os assaltantes e mantinha a PJ e o Ministério Público fora da história. O que a segunda declaração prova é que o ex-ministro tinha informação suficiente para perceber que, em causa, estava uma muito provável manobra de militares para salvarem a pele e o privilégio castrense através da manipulação e da mentira.
Com essa informação na mão, seria expectável que o ministro a levasse ao conhecimento da PJ e ao Ministério Público. Porque o que estava em causa era uma forte suspeita de conluio entre militares e ladrões. Era o encobrimento de um capítulo de um roubo que pôs em causa a fragilidade do Estado, a eficiência das Forças Armadas e a credibilidade da segurança nacional. Saber o que levou o ministro a guardar para si o “essencial” dessa informação é por isso crucial para que toda a verdade de Tancos se estabeleça.
Faz hoje pouco sentido discutir se Azeredo será acusado ou condenado. Faz sentido sim quebrar o consenso espúrio da esquerda que se associou para o salvar na Comissão Parlamentar de Inquérito. Temos de perceber porque é que um civilista, jurista brilhante e intelectual consagrado se deixou cair neste enredo. Terá acreditado que a omissão defendia as Forças Armadas? Terá sido mal aconselhado? Pouco interessa. Interessa sim que a justiça esclareça o que os interesses partidários não deixaram esclarecer no Parlamento.