Um “RADAR” atento sobre uma cidade envelhecida
Abrir os olhos para uma cidade com um quarto da população idosa. É este o objectivo do “RADAR”, o projecto comunitário que quer oferecer longa vida ao combate ao isolamento.
Em muitas ruas se encontra o isolamento social, em muitas ruas se perde a riqueza da convivência com as gerações idosas. Lisboa, cidade envelhecida, a beijar os tempos da modernidade, é, hoje, como um poema (de Cesariny) de versos emendados. Mudaram-se os tempos e os encontros do parapeito da janela aberta da disponibilidade. Poucas crianças ainda brincam nas ruas; são mais os idosos que as calcorreiam, entre rotinas devolvidas às horas da reforma.
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Em muitas ruas se encontra o isolamento social, em muitas ruas se perde a riqueza da convivência com as gerações idosas. Lisboa, cidade envelhecida, a beijar os tempos da modernidade, é, hoje, como um poema (de Cesariny) de versos emendados. Mudaram-se os tempos e os encontros do parapeito da janela aberta da disponibilidade. Poucas crianças ainda brincam nas ruas; são mais os idosos que as calcorreiam, entre rotinas devolvidas às horas da reforma.
E, se desaparece a vizinha Luz das conversas habituais à porta do prédio, ou se o conhecido Salvador teima em não aparecer no acostumado café, um dia, outro, e outro ainda, a comunidade interrompe a azáfama dos tempos corridos, porque sabe agora que tem “um radar que apanha tudo no ar”.
“Falar. Escutar. Cuidar” da população sénior de Olivais, Areeiro e Ajuda
Nasceu no primeiro mês do ano para fazer de Lisboa “uma cidade de todas as idades” que fala, escuta e cuida dos que têm mais de 65 anos. Entre Janeiro e Junho, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), apoiada pela Câmara de Lisboa, Segurança Social, PSP, Rede Social, Juntas de Freguesia e Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, entrevistou mais de quatro mil pessoas em freguesias como Olivais, Areeiro e Ajuda. Entre restaurantes, mercearias, drogarias, centros de dia, farmácias e outros lugares de passagem (quase) obrigatória, já foram criados 146 radares comunitários, à espreita pela segurança de quem já tanto olhou pelos mais novos.
Criado na capital, Sérgio Cintra, administrador da Acção Social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, salienta que “as pessoas vivem cada vez mais para elas, e não têm a oportunidade de mostrar a sua capacidade de intervenção cívica e de solidariedade”.
Lisboa, onde se ergueram prédios altos que se atravessaram entre as conversas da familiaridade bairrista, onde também se mobilizaram transportes para encurtar distâncias entre vários pontos de interesse, assiste agora a uma nova “dinâmica urbana” que alarga, pelo contrário, o interlúdio geracional e interpessoal.
Os mais novos cuidam dos mais velhos
É essa lacuna que a SCML quer preencher, com voluntários de entidades de segurança pública e intervenção social que percorrem os quilómetros escondidos dos mais isolados e com dificuldades de mobilidade. A envergar coletes vermelhos, os recém-licenciados tornam-se também um sinal encarnado para “falar, escutar, cuidar”, enfim, para parar e prestar atenção aos outros. Entrevistam trabalhadores do comércio tradicional e pessoas que contactam diariamente com os idosos de cada freguesia.
Sérgio Cintra considera que “a solidariedade continua a fazer parte do ADN dos portugueses”, que podem encontrar, nesta ferramenta, uma forma de intervir num problema social agravado pela conquista da longevidade.
“A nossa maior preocupação é que todos sintam que têm o dever, não só de cuidar dos mais velhos, como de preparar a cidade para quando formos nós a precisar dela”, afiança o administrador da pasta de Acção Social da SCML.
A ideia arquitectada pela Santa Casa da Misericórdia conta com toda a comunidade para traçar um retrato fidedigno (e com rugas) da terceira idade de cada freguesia, dos seus hábitos e acompanhamento familiar. Voluntários, polícia e outras organizações vão, de loja em loja, pedir a identificação daqueles vizinhos com quem se gosta de parar para conversar.
Segunda fase arranca este mês em 10 freguesias
“Temos de saber que há uma linha, um serviço, na cidade de Lisboa, que nos pode garantir a paz de espírito de identificar que alguém não é visto há dois dias, ou três”, frisa Sérgio Cintra. Os radares comunitários vão estender-se, já este mês e até Novembro, ao Beato, à zona do Parque das Nações, a Alcântara, Alvalade, Santa Clara, São Domingos de Benfica, São Vicente, Estrela e Arroios.
Sérgio Cintra tem mais planos de expansão para uma iniciativa com uma “adesão absolutamente extraordinária” na sua primeira fase. “Também queremos, a dada altura, criar um centro local de informação e coordenação”, conta o mentor do “Projecto Radar” que diz acreditar numa “ideia de governação integrada para problemas complexos”.
“Temos de trabalhar em conjunto. Queremos que, no futuro, haja uma esquadra de polícia dedicada unicamente a estas questões e um serviço de teleassistência no quilómetro zero da cidade de Lisboa, sendo que será um prédio da Santa Casa - para o qual se podem todos dirigir, por ser um centro de controlo - a facilitar essa resposta”, adianta o representante da Santa Casa lisboeta.
A instituição deixa também um apelo à comunidade: que todos olhem, nas artérias da cidade, pelos idosos como também estes vigiaram as “nossas” crianças enquanto brincavam na rua. Os “nossos radares”, garante Sérgio Cintra, são “o senhor que trabalha há décadas numa drogaria daquelas antigas” ou o gerente de uma padaria que conhece os clientes que passam. Tal como eles, a sociedade deve, de acordo com o representante, sinalizar o isolamento e ser vizinho das dificuldades do outro.