Europa – um processo polémico
O nome encontrado para a Presidência da Comissão fica muito aquém das expectativas.
1. Tal como aqui afirmei há três semanas atrás, a fantasiosa ideia de construção de uma geringonça à escala europeia não passava de um ludíbrio que a realidade se encarregaria, mais cedo ou mais tarde, de revelar em toda a plenitude. Foi isso que sucedeu nos últimos dias. Era por demais evidente, desde o início, que só seria possível alcançar uma solução política viável com a participação das três maiores forças políticas europeias num projecto comum.
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1. Tal como aqui afirmei há três semanas atrás, a fantasiosa ideia de construção de uma geringonça à escala europeia não passava de um ludíbrio que a realidade se encarregaria, mais cedo ou mais tarde, de revelar em toda a plenitude. Foi isso que sucedeu nos últimos dias. Era por demais evidente, desde o início, que só seria possível alcançar uma solução política viável com a participação das três maiores forças políticas europeias num projecto comum.
A natureza específica da União Europeia reclama e impõe um sentido do compromisso de índole distinta daquele que é exigível no plano nacional. É certo que isso prejudica a fluidez do debate político, na medida em que anula significativamente uma dimensão importante do jogo democrático que é a da conflitualidade entre o poder e a oposição. Essa característica, verdadeiramente estruturante dos espaços políticos nacionais, não é aplicável, pelo menos com a mesma veemência, ao espaço político europeu.
Isto ocorre, desde logo, porque a União Europeia continua a ter uma fortíssima componente intergovernamental. Daí resulta, inevitavelmente, a existência de um sistema de decisão original e portador de uma complexidade acrescida. Vejamos o caso da escolha da Presidência da Comissão Europeia: há uma exigência de consenso reforçado no Conselho Europeu, a quem compete a preposição de um nome a ser submetido à apreciação do Parlamento Europeu que, sobre o mesmo, exprime uma posição com carácter vinculativo. Esta mecânica apela claramente à formação de grandes entendimentos partidários.
Ocorre que na presente circunstância a divisão da representação política observável quer na composição do Conselho, quer na composição do Parlamento Europeu obrigava e obriga à consumação de um acordo entre o PPE, os Socialistas e os Liberais, sob pena da paralisia institucional. Constatada a necessidade deste entendimento haveria, ainda assim, lugar a um amplo espaço de discussão tendo em vista a adopção das melhores soluções possíveis. Nessa perspectiva, julgo que os Socialistas (S&D) e os Liberais cometeram um erro quando se apressaram a falar de uma hipotética maioria progressista empenhada em diminuir o papel do PPE na condução da política europeia. Criou-se, assim, uma tensão desnecessária e contraproducente. Desnecessária porquanto era óbvio que o PPE não poderia manter a hegemonia de que desfrutou no mandato anterior; contraproducente porque instigadora de um ambiente de suspeita, senão mesmo de ressentimento.
Se ao invés deste comportamento se tivesse optado, desde início, pelo envolvimento público do PPE na procura de um consenso capaz de relançar o projecto europeu ter-se-iam, certamente, criado condições mais favoráveis ao surgimento de um resultado final bem melhor do que aquele que se alcançou. As razões porque isso não aconteceu escapam à minha capacidade de análise racional da situação. Haverá motivos que desconheço. Agora o que não é possível ignorar é que este caminho produziu maus resultados. Os socialistas europeus acabaram por ter entradas de leão e saídas de sendeiro. Não só não obtiveram a presidência da Comissão, o que a meu ver teria sido muito bom para a Europa, como também não alcançaram a Presidência do Conselho. Ficaram exactamente como estavam na última legislatura. Aliás, a única mudança ocorrida foi a da passagem da Presidência do Conselho das mãos do PPE para as dos Liberais. Perdeu-se a oportunidade de uma redistribuição virtuosa dos principais cargos políticos europeus.
O nome encontrado para a Presidência da Comissão fica muito aquém das expectativas. Numa altura em que a União Europeia enfrenta uma grave crise impunha-se a opção por uma figura de primeiro plano dotada de grande experiência neste domínio, reconhecida pela autonomia e pela sofisticação do seu pensamento europeu e capaz de infundir de imediato uma corrente de confiança junto da opinião pública. Ursula von der Leyen não dispõe de nenhum destes predicados. Oxalá venha a ser uma surpresa, de momento não passa de um recurso.
2. É sabido que há hoje um problema sério com as chamadas democracias iliberais do Leste europeu. Essa questão afecta predominantemente o PPE mas não deixa de se colocar também no âmbito do socialistas europeus. Não foi por acaso, aliás, que o Governo eslovaco de orientação socialista alinhou incondicionalmente ao lado dos seus parceiros do chamado Grupo de Visegrado ao longo do processo de escolha dos titulares de altos cargos políticos europeus. A articulação destes países com a Itália de Salvini é naturalmente de molde a causar uma grande apreensão. Também por isso foi errada a tentativa de isolar o PPE neste processo, já que isso teria inevitavelmente como consequência a fragilização dos seus sectores mais moderados, centristas e pró-europeístas.
3. Se há ilação a retirar de todo este episódio é a de que a acrobacia política tem os seus limites. Ela pode circunstancialmente triunfar num caldo de cultura excepcionalmente favorável mas está fatalmente condenada a soçobrar quando as circunstâncias se tornam mais difíceis e exigentes. Como foi agora o caso.