Investigação interna denuncia condições “deploráveis” na fronteira dos EUA
Gabinete do Departamento de Segurança Interna encontrou celas com o dobro da ocupação e espaços para crianças onde só há uma sanita, sem qualquer privacidade. Investigadores comparam a situação a “uma bomba-relógio em contagem decrescente”.
Centenas de crianças que passaram a fronteira entre o México e os EUA sem estarem acompanhadas, muitas delas com menos de sete anos de idade, ficam nos centros de detenção norte-americanos durante períodos que podem chegar a duas semanas, em alguns casos sem acesso a um chuveiro, a comida quente ou a uma escova de dentes. As condições para milhares de detidos de todas as idades nas instalações da guarda fronteiriça no estado do Texas são descritas num relatório do próprio Departamento de Segurança Interna, publicado esta semana, como “uma bomba-relógio em contagem decrescente”.
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Centenas de crianças que passaram a fronteira entre o México e os EUA sem estarem acompanhadas, muitas delas com menos de sete anos de idade, ficam nos centros de detenção norte-americanos durante períodos que podem chegar a duas semanas, em alguns casos sem acesso a um chuveiro, a comida quente ou a uma escova de dentes. As condições para milhares de detidos de todas as idades nas instalações da guarda fronteiriça no estado do Texas são descritas num relatório do próprio Departamento de Segurança Interna, publicado esta semana, como “uma bomba-relógio em contagem decrescente”.
Durante uma semana, em Junho, os inspectores do gabinete de supervisão do departamento que gere a situação nas fronteiras dos EUA visitou cinco centros de detenção e dois pontos de entrada oficiais no Vale do Rio Grande, na extremidade sul do Texas.
E o que viram confirma as denúncias de caos nos centros de detenção na fronteira, feitas nos últimos meses por pessoas e organizações sem qualquer ligação à Administração Trump, incluindo advogados, congressistas do Partido Democrata e activistas dos direitos humanos.
“Para além da sobrelotação que testemunhámos, os dados da Patrulha de Fronteira indicam que 826 (31%) das 2669 crianças naqueles centros estavam retidas há mais do que as 72 horas permitidas pelas regras internas e pelo Acordo Flores”, lê-se no relatório, publicado na terça-feira e que inclui fotografias do interior das instalações.
O Acordo Flores, de 1997, levou o governo norte-americano a estabelecer limites para o prazo em que pode manter em condições de detenção as crianças que entram nos EUA sem estarem acompanhadas. Findo esse prazo, devem ser encaminhadas do Departamento de Segurança Interna para o Departamento de Serviços Humanos, para serem acolhidas em melhores condições.
"Bomba-relógio"
Num dos centros visitados em Junho pelos inspectores do governo norte-americano, 806 das 1031 crianças já tinham passado pela primeira fase do processo e muitas continuavam a aguardar a transferência ao fim de mais de uma semana – e meia centena há mais de duas semanas.
“Por exemplo”, dizem os inspectores do governo norte-americano no relatório, “crianças em três dos cinco centros visitados não tinham acesso a chuveiros” e tinham “um acesso limitado a uma muda de roupa”.
“Apesar de todos os centros terem papa e fraldas para bebés, e também sumo e snacks para crianças, testemunhámos que em dois deles não havia refeições quentes”, lê-se no relatório. Nesses casos, as crianças eram alimentadas com “sandes e snacks”, e a falta de condições levou a que algumas crianças que deviam estar em isolamento – por causa de uma gripe, por exemplo – fossem colocadas em celas pequenas juntamente com famílias inteiras.
A situação é igualmente “deplorável” nas celas para adultos, onde mais de 80 pessoas chegam a estar detidas em espaços preparados para um máximo de 40. Em algumas delas, num dos centros visitados, os detidos ficaram uma semana sem espaço para se deitarem ou sentarem; noutro centro, alguns adultos ficaram detidos mais de um mês em celas sobrelotadas.
Uma das visitas dos inspectores teve de ser encurtada porque a sua presença “agitou uma situação que já é muito difícil”, diz o documento do Departamento de Segurança Interna.
“Quando os detidos nos viram, começaram a bater nas janelas e a gritar. Mostraram-nos papéis com o número de dias desde a sua detenção e apontaram para os sinais físicos desse período, como o tamanho da barba.”
Perante as condições nos centros de detenção no estado do Texas, um dos agentes da Patrulha de Fronteira disse aos inspectores que estavam perante “uma bomba-relógio em contagem decrescente”. A revolta, o desespero e as doenças entre os detidos, durante semanas em celas sobrelotadas, podem também comprometer a segurança dos agentes.
"Tolerância zero"
A situação na fronteira com o México resulta de um aumento significativo de pessoas a tentarem entrar nos EUA no último ano, muitas delas em família, e da política de “tolerância zero” decretada pelo Presidente Donald Trump no Verão do ano passado.
Com o reforço das detenções e deportações, os centros das várias agências envolvidas no processo ficaram sobrelotados e os processos atrasaram-se ainda mais. Como resultado, crianças, famílias e adultos têm de ficar detidos por um período mais longo até que haja vagas nos centros com melhores condições, longe da fronteira com o México.
Na semana passada, o Partido Democrata aceitou aprovar um pacote de 4,6 mil milhões de dólares para reforçar a ajuda humanitária nos centros de detenção, uma decisão da líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, contestada pela ala mais progressista do partido.
Segundo os críticos, Pelosi cedeu na votação sem exigir um reforço das garantias de segurança e protecção das crianças que estão detidas nos centros sobrelotados.
“Para que possamos disponibilizar estes recursos às crianças de uma forma mais rápida, vamos aprovar esta lei do Senado com relutância”, disse Pelosi numa carta enviada aos congressistas do seu partido.