O impacto regulatório do acordo Mercosul-UE

O novo quadro comercial consolidará uma parceria política e econômica estratégica e criará oportunidades significativas para o crescimento sustentável de ambas as partes.

Após quase 20 anos de negociações, a União Europeia (EU) e o Mercosul (representado pelos líderes do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina) chegaram a um acordo político para facilitações comerciais muito ambiciosas. O novo quadro comercial consolidará uma parceria política e econômica estratégica e criará oportunidades significativas para o crescimento sustentável de ambas as partes, respeitando o meio ambiente e preservando os interesses dos consumidores e setores econômicos sensíveis.

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Após quase 20 anos de negociações, a União Europeia (EU) e o Mercosul (representado pelos líderes do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina) chegaram a um acordo político para facilitações comerciais muito ambiciosas. O novo quadro comercial consolidará uma parceria política e econômica estratégica e criará oportunidades significativas para o crescimento sustentável de ambas as partes, respeitando o meio ambiente e preservando os interesses dos consumidores e setores econômicos sensíveis.

O documento promove a eliminação de tributação de importantes produtos e irá, progressivamente, remover impostos sobre 91% das mercadorias que as empresas da UE exportam para o Mercosul. Por exemplo, os países do Mercosul removerão os altos impostos sobre produtos industriais, como:

  • Carros (hoje taxados em 35%);
  • Peças do carro (tributados em 14 a 18%);
  • Maquinário (tributado em 14 a 20%);
  • Químicos (tributados até 18%);
  • Vestuário (tributado em até 35%);
  • Farmacêutica (tributada em até 14%);
  • Sapatos de couro (tributados em até 35%);
  • Têxteis (tributados em até 35%).

O acordo também eliminará progressivamente os tributos que recaem sobre as exportações de alimentos e bebidas da UE, tais como:

  • Vinho (hoje taxado em 27%);
  • Chocolate (tributado a 20%);
  • Whisky e outras bebidas destiladas (tributadas entre 20 e 35%);
  • Biscoitos (tributados em 16 a 18%);
  • Pêssegos enlatados (tributados a 55%);
  • Refrigerantes (tributados a 20-35%).

Serão eliminados impostos de importação de 92% das mercadorias do Mercosul exportadas para a UE.

Compliance sanitário

O acordo traz um capítulo abrangente e bastante ambicioso impondo aos países do Mercosul os altos padrões de compliance sobre questões sanitárias e fitossanitárias, abrangendo aspectos de segurança alimentar, saúde animal e vegetal. O acordo também defende explicitamente o chamado “princípio da precaução” que permite às autoridades públicas o direito legal de agir para proteger a saúde humana, animal ou vegetal, ou o meio ambiente, em face de um risco percebido, mesmo quando a análise científica não é conclusiva.

Direito ambiental

O documento se dedica ao desenvolvimento sustentável e trata de questões como o manejo sustentável e a conservação de florestas, o respeito aos direitos trabalhistas e a promoção de uma conduta empresarial responsável. Ainda no âmbito do compliance ambiental, consta no acordo que ambas as partes devem estar empenhadas em implementar eficazmente o Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas atribuindo obrigações no sentido de lutar contra a mudança climática e trabalhar eficazmente para a transição para uma economia sustentável de baixa emissão de carbono.

E-commerce

Outro importante aspecto do documento é o trecho sobre as regras gerais relativas ao comércio eletrônico (E-commerce) que visam remover as barreiras injustificadas ao comércio feitas por meios eletrônicos, trazer segurança jurídica para as empresas e garantir um ambiente online seguro para os consumidores, com seus dados protegidos adequadamente.

Licitações e compras públicas

As empresas da UE poderão concorrer a contratos com autoridades públicas, como ministérios do governo central e outras agências governamentais e federais, em igualdade de condições com empresas dos países do Mercosul. O acordo comercial também tornará o processo de licitação mais transparente.

Direito de propriedade intelectual

As partes reconhecem que proteger os direitos de propriedade intelectual e os segredos comerciais é importante para fomentar a inovação e a criatividade e para garantir que seus respectivos setores permaneçam competitivos. O documento inclui disposições sólidas que cobrem Direitos de Propriedade Intelectual sobre direitos autorais, marcas, desenhos industriais, indicações geográficas e variedades de plantas. A seção sobre Direitos de Propriedade Intelectual também inclui disposições abrangentes sobre a proteção de segredos comerciais.

Normas sobre produtos especiais

A UE é um grande produtor de produtos alimentares e bebidas regionais de alta qualidade, como o Prosciutto di Parma, o Champagne, o Vinho do Porto e o Whisky irlandês. Esses produtos possuem um status especial; seus nomes são protegidos como ‘Indicações Geográficas’. Da mesma forma, o Mercosul protegerá 357 Indicações Geográficas Europeias para vinhos, destilados, cervejas e produtos alimentícios. A UE também protegerá os nomes dos produtos tradicionais do Mercosul, como a Cachaça ou o vinho Mendoza, da Argentina.

Regulamentos técnicos e normas de padronização

Regulamentações técnicas e padrões diferentes sobre produtos em outros mercados podem ser um grande obstáculo para os exportadores, pois eles impõem custos extras para cumpri-los. O acordo, além de promover a transparência e o uso de padrões internacionais para facilitar o acesso a ambos mercados, protege os níveis de proteção que cada parte considera adequados. O impacto prático desta medida é a facilitação para as empresas comprovarem o cumprimento de normas e regulamentos através do reconhecimento pelos países do Mercosul de testes de conformidade em produtos da UE realizados na UE em determinados setores e vice-versa.

Acesso mais fácil a matérias-primas e peças

As indústrias da UE e do Mercosul terão o acesso mais fácil a matérias-primas e peças de alta qualidade para aumentar sua competitividade. O acordo reduzirá ou eliminará as tarifas que o Mercosul impõe atualmente às exportações para a UE de produtos como peles e couros ou produtos de soja. O acordo também proíbe os requisitos de preço de importação e exportação e os monopólios de importação e exportação.

Pequenas e médias empresas

A grande maioria das empresas, tanto da UE como do Mercosul, é constituída por pequenas e médias empresas (PME) e o novo cenário de comércio internacional irá atender às suas necessidades específicas. Desta forma, ambas as partes fornecerão informações sobre o acesso ao mercado num site na internet específico para as PME e criarão um “coordenador de PME” de cada lado para cooperar na identificação de formas de as empresas beneficiarem das oportunidades oferecidas pelo acordo.

Solução de controvérsias

O acordo estabelece um mecanismo justo, eficiente e eficaz para resolver disputas que possam surgir em relação à interpretação e aplicação de suas disposições. Entre outras coisas, inclui instâncias julgadoras independentes contando com o devido processo legal e respeitando os requisitos de transparência envolvendo audiências abertas, a publicação de decisões e a oportunidade para as partes interessadas apresentarem opiniões por escrito.

Vigência e próximos passos

Por fim, para que o novo acordo Mercosul-UE sobre comércio internacional entre em vigor nos respectivos países (são 32 países envolvidos), é necessário aguardar que cada um dos membros soberanos de ambos os blocos implemente integralmente suas obrigações a fim de que as empresas, trabalhadores e consumidores possam desfrutar de seus benefícios.

Os próximos passos envolvem a aprovação pelos conselhos da UE e do Mercosul e a incorporação do acordo internacional no direito doméstico pelo Poder Legislativo de cada um dos países.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico