Sob fogo cerrado dos deputados, ministra da Cultura diz que “este é o conselho de administração necessário para o Opart”
Ministra da Cultura foi esta manhã ao Parlamento dizer que a desorganização “estrutural” do Opart é uma “vergonha”. Garante que o Governo quer arrumar a casa e para isso confia num novo presidente saído das Finanças. Mas não chegou a explicar por que é que o Executivo demorou dois anos a perceber que uma decisão tomada pela anterior administração era, afinal, “ilegal”.
A ministra da Cultura foi esta quarta-feira ao Parlamento a pedido do PCP para prestar esclarecimentos sobre o contencioso laboral que opõe o Governo aos trabalhadores de uma das suas principais entidades artísticas, o Opart, organismo que gere o Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), com o seu coro e a Orquestra Sinfónica Portuguesa, e a Companhia Nacional de Bailado (CNB).
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A ministra da Cultura foi esta quarta-feira ao Parlamento a pedido do PCP para prestar esclarecimentos sobre o contencioso laboral que opõe o Governo aos trabalhadores de uma das suas principais entidades artísticas, o Opart, organismo que gere o Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), com o seu coro e a Orquestra Sinfónica Portuguesa, e a Companhia Nacional de Bailado (CNB).
Durante hora e meia de intensa troca de argumentos com os deputados, Graça Fonseca insistiu que o Governo está à procura de “soluções estruturais” capazes de garantir o futuro do Opart e não de consensos pontuais que criem novas injustiças. “Podemos brincar com as palavras o tempo que quisermos, mas o que está aqui em causa são aumentos salariais e não uma harmonização salarial. E de aumentos salariais da ordem dos 10% para 15 dos 364 trabalhadores do Opart, o que seria uma injustiça para os restantes. O Governo não pode aceitar isso”, disse a ministra, assumindo a posição que o executivo liderado por António Costa tem vindo a defender desde 22 de Junho.
O diferendo laboral no Opart, uma empresa pública que deverá contar a partir desta quinta-feira com um novo conselho de administração liderado por André Caldas, até aqui chefe de gabinete do ministro das Finanças, arrasta-se há meses e desencadeou uma greve que, desde 7 de Junho, já levou ao cancelamento de uma ópera do São Carlos e de um espectáculo da CNB — “um rombo de meio milhão de euros ao erário público”, de acordo com as contas feitas pelo Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE) —, ameaçando também as apresentações do Festival ao Largo, que deverá começar no próximo sábado e terminar a 27 de Julho.
Na base deste conflito laboral está a disparidade salarial entre os técnicos do São Carlos e da CNB, criada por uma decisão tomada em Setembro de 2017 pelo conselho de administração do Opart, à data presidido por Carlos Vargas. Essa deliberação reduziu o horário de trabalho dos funcionários da companhia de dança para as 35 horas, mantendo-lhes o salário correspondente às 40h, isto quando os restantes trabalhadores deste organismo tinham já um regime de 35 horas semanais e uma remuneração correspondente.
O sindicato exige um acerto do valor do trabalho por hora para que os técnicos do São Carlos não sejam prejudicados e recebam o mesmo que os da CNB (segundo cálculos do Cena-STE que já incluem retroactivos desde 2017, uma verba próxima dos 80 mil euros seria o montante necessário para que 22 técnicos do São Carlos recebam o mesmo valor/hora que os técnicos da CNB). Recusando esta reivindicação, o Governo decidiu impor as 40 horas semanais aos trabalhadores da CNB, em vigor desde 1 de Julho, estando agora o sindicato a ponderar recorrer aos tribunais para forçar a reposição do regime anterior.
Esta manhã, Graça Fonseca voltou a classificar como “ilegal” e até “inconstitucional” a decisão tomada pelo conselho de administração do Opart em 2017 e deixou por responder a pergunta que se impunha, feita pelos deputados do PCP (Ana Mesquita), do PSD (José Carlos Barros) e do BE (Luís Monteiro): Por que razão esperou o Ministério da Cultura (MC) dois anos para dizer que o conselho de administração agiu ilegalmente?
“Um conselho de administração toma decisões ilegais e não é demitido? Como é que a senhora continua a despachar com esse conselho?”, perguntou o deputado social-democrata. “Não se compreende como é que durante dois anos o Governo não se preocupou com esta ‘ilegalidade’, como agora lhe chama. Só se preocupou quando deu origem a um conflito laboral e a greves”, disse o bloquista Luís Monteiro. “O que veio aqui dizer é gravíssimo e é que o Governo tinha conhecimento há dois anos de uma decisão ilegal, mais, inconstitucional, e nada fez”, acrescentou Ana Mesquita, do PCP. “Porque compactuou com uma decisão ilegal? Porque não despachou logo o conselho de administração?” Graça Fonseca não respondeu.
"Estratégia inadmissível"
Fazendo referência ao documento que o PÚBLICO divulgou na terça-feira — um despacho de 20 de Março deste ano em que a ministra, concordando com o solicitado, reencaminha para a secretária de Estado da Administração e do Emprego Público e para o secretário de Estado do Tesouro um ofício com a data de 15 de Novembro de 2018 do então presidente do Opart, em que Vargas expõe a urgência de proceder a ajustamentos salariais capazes de repor a igualdade de tratamento entre os técnicos do São Carlos e da CNB —, a deputada comunista Ana Mesquita reiterou a estranheza de ver uma administração substituída devido a uma alegada “ilegalidade” de que o Governo tinha conhecimento há anos: “E agora, vai-se a ver, e há um documento [que a ministra reencaminha para dois secretários de Estado], em que se refere toda a necessidade de se fazer uma harmonização salarial e se fala na conclusão do regulamento interno.” Um documento que é a resposta a um ofício enviado cinco meses antes, acrescentou Mesquita já depois de lamentar o artigo de opinião de Graça Fonseca e o comunicado do Governo sobre a situação no Opart, ambos reflexo daquilo a que chamou “uma estratégia de chantagem e ameaça [aos trabalhadores] inadmissível”.
E tendo em conta que, de acordo com o despacho de 20 de Março, a ministra da Cultura chegou a concordar com a harmonização salarial a que agora “incompreensivelmente” chama aumentos, argumenta a deputada do PCP, o seu recuo, estima, ter-se-á devido ao ministério de Mário Centeno: “Era nas Finanças que o problema estava a esbarrar. Como aceitar agora a nomeação [para presidente do Opart] de um dos responsáveis por todo este processo ter dado com os burrinhos na água?”
A mesma perplexidade foi partilhada por Luís Monteiro: “Não se compreende este volte-face do MC.” José Carlos Barros também relacionou o “recuo” da tutela com a nomeação de André Caldas para a presidência do Opart: “A harmonização salarial, sabemos agora, teve a concordância da senhora ministra. Deixou de concordar porque as Finanças não concordaram? Desmente estas notícias? Talvez estas notícias encaixem com a nomeação ontem [terça-feira] anunciada.”
Sem recuo
Nas várias rondas de respostas aos deputados, a ministra da Cultura repetiu diversas vezes que não houve nesta matéria qualquer recuo do Governo, que ao entrar em funções encontrou no Opart uma “desorganização estrutural” que se mantém desde a sua criação, em 2007, “uma vergonha”.
“O problema do Opart não se resolve com 50 mil euros. O problema, insisto, não é orçamental”, afirmou Graça Fonseca, elencando em seguida as necessidades deste organismo: para além das obras no São Carlos para as quais anunciou já uma dotação de três milhões de euros, a prioridade vai para a criação de um regulamento interno e de tabelas salariais claras, para em seguida se trabalhar no reposicionamento artístico do São Carlos (coro e orquestra) e da CNB, com mais descentralização e serviços educativos a funcionar em pleno.
“O Opart está desorganizado desde a sua origem. Não há uma única carreira técnica estruturada lá dentro. Há 80 funções identificadas sem que exista sequer um instrumento que permita aos trabalhadores saberem com alguma previsibilidade e segurança como podem evoluir na carreira”, explicou Graça Fonseca, sem fazer referência à proposta de regulamento interno que o conselho de administração presidido por Vargas apresentou ao seu gabinete em Abril, última versão de um articulado que começou a ser trabalhado em 2017 e que sempre contemplou 35 horas de trabalho semanal para todos os funcionários da casa. “O que se fez até hoje foi adiar, adiar, adiar. Nunca ninguém tentou fazer o que nós estamos a tentar fazer.”
E para resolver estes problemas estruturais — que se prendem com a dimensão de Empresa Pública do Estado (EPE) e com a dimensão artística — Graça Fonseca confia na nova administração composta por um advogado vindo das Finanças (o presidente, André Caldas), um economista da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (Alexandre Miguel Santos) e uma violinista que foi directora-adjunta do Conservatório Nacional (Anne Victorino d'Almeida), equipa a que Ana Mesquita chamou, com humor, “tropa de elite”.
“Este é o conselho de administração necessário. Não nos podemos esquecer que o Opart é uma EPE”, disse a ministra, que já antes reiterara: “É óbvio que concordamos com salário igual para trabalho igual, só temos caminhos diferentes para lá chegar. Dar mais 170 a 180 euros a cada um dos 15 trabalhadores por mês, como quer o sindicato, é uma via para alcançar a harmonização salarial, mas não é a única.” E não é, certamente, a que o Governo pretende seguir.
Esta quinta-feira será a vez de o Cena-STE ir à Comissão Parlamentar de Cultura.