Autoridade da Concorrência avisa que algoritmos de preços podem infringir a lei

O regulador português alerta que as empresas não podem usar algoritmos para coordenar preços entre si. Mesmo se as decisões são feitas por algoritmos, sem intervenção humana.

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Fabio Augusto/arquivo

A Autoridade da Concorrência (AdC) alertou as empresas que vendem bens ou serviços online para as possíveis implicações dos algoritmos que usam. De acordo com o regulador, recorrer a ferramentas automáticas de monitorização de clientes e empresas rivais “com o objectivo de coordenar os preços” entre si é incompatível com a Lei da Concorrência. Mesmo se as decisões são feitas por algoritmos, sem intervenção directa das empresas.

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A Autoridade da Concorrência (AdC) alertou as empresas que vendem bens ou serviços online para as possíveis implicações dos algoritmos que usam. De acordo com o regulador, recorrer a ferramentas automáticas de monitorização de clientes e empresas rivais “com o objectivo de coordenar os preços” entre si é incompatível com a Lei da Concorrência. Mesmo se as decisões são feitas por algoritmos, sem intervenção directa das empresas.

O aviso surgiu num parecer publicado no site da AdC, esta terça-feira, sobre a nova realidade digital (Ecossistemas Digitais, Big Data e Algoritmos é o título da publicação). Chega numa altura, em que cada vez mais portugueses fazem compras pela Internet: dados do Instituto Nacional de Estatística, por exemplo, mostram que em 2018 cerca de 37% das pessoas entre os 16 e os 74 anos a residir em Portugal fizeram compras através da Internet. Em 2010, o valor era 15%. 

Com o aumento, são cada vez mais as empresas online que usam algoritmos para aprender sobre as suas rivais. O parecer da AdC inclui inquéritos feitos a 38 empresas com presença online em Portugal sobre a forma como monitorizam os seus concorrentes. Das empresas inquiridas, 37% admitiram utilizar algoritmos para monitorizar os preços de concorrentes (por exemplo, através de números de identificação estandardizados como o código de barras). Destas, 78,6% disseram ajustar os preços consoante os resultados. Porém, apenas 7,9% faz o ajuste de forma automática, sem intervenção humana.

“Sem prejuízo dos benefícios que o big data e os algoritmos podem trazer para o mercado, o aumento da frequência da sua utilização pode facilitar estratégias de colusão”, explica a AdC no seu parecer, recordando que as empresas “são as responsáveis pelos algoritmos que utilizam”.

A colusão entre empresas, mais comummente designada por cartel, corresponde a um acordo entre empresas com actividades concorrentes com o objectivo a restringir a concorrência e obter um controlo mais eficaz do mercado. De acordo com a AdC, os cartéis são das práticas mais restritivas porque prejudicam os consumidores e a eficiência dos mercados ao aumentar o preço e restringir a oferta.

Já existem exemplos reais de empresas que usaram algoritmos automáticos para influenciar o preço dos mercados. Um dos exemplos mencionados no parecer da AdC é o caso de David Topkins, o fundador norte-americano da Poster Revolution. Em 2015, Topkins admitiu ser culpado num caso de práticas anticoncorrenciais por utilizar algoritmos personalizados para manter preços de pósteres de clássicos do cinema, vendidos na Amazon, a preços artificialmente altos. Com a colaboração de empresas rivais, o algoritmo de Topkins coordenava, automaticamente, estratégias de preços para a venda dos pósteres online.

“Estes casos ilustram a forma como os algoritmos podem auxiliar e constituir um elemento facilitador da implementação de colusão explícita entre empresas concorrentes no mercado”, nota a AdC, que frisa que algoritmos de monitorização “permitem a detecção rápida de alterações nas decisões estratégicas de empresas concorrentes, como o caso de descontos pontuais.”

O regulador português nota, no entanto, que os problemas não vêm da recolha de informação sobre os preços dos concorrentes por si só. “A monitorização das estratégias dos concorrentes e o ajustamento do preço ou outras variáveis estratégicas tendo por base a informação recolhida sempre fizeram parte do normal funcionamento dos mercados”, lê-se no documento. “Contudo, a sua frequência e extensão intensificam-se na economia digital”.

A avaliação da AdC também nota que a informação recolhida por algoritmos automáticos não se limita aos preços. Também pode incluir, por exemplo, a disponibilidade dos produtos (se estão esgotados, ou não) e a variedade da oferta. E há já várias ferramentas no mercado que permitem às empresas online saber mais sobre os seus clientes: desde o número de vezes em que um utilizador visita cada página, ao tempo que lá permanece, aos movimentos do cursor no ecrã. A informação recolhida pode ser integrada noutros serviços, como algoritmos que seleccionem quais os anúncios a exibir.

A forma como se compete pela atenção dos clientes na Internet foi outro dos problemas identificados pela AdC no seu parecer. De acordo com o regulador português, muitas vezes as plataformas escolhem apresentar “conteúdo de menor qualidade” ou “conteúdo concebido para gerar indignação ou ultraje” para manter os utilizadores envolvidos num site. Além disso, empresas com mais clientes online vão sempre ter mais dados para oferecer conteúdo mais personalizado e adaptado. Desta forma, as empresas dominantes podem adoptar estratégias de exclusão de concorrentes.

“Ao invés de a concorrência estar ‘à distância de um clique’, poderá ser a exclusão que está ‘à distância de um clique’”, refere a AdC.