A falha que mais importa na “novela Coutinho”
Sendo um drama de pessoas concretas, a novela do prédio é também uma história das fragilidades da democracia e do estado de direito. Convém não o esquecer.
Há 20 anos que os vianenses acompanham, episódio a episódio, a interminável novela do Prédio Coutinho e tudo indica que não vão conhecer o fim em breve. Na fealdade da sua silhueta, na indecisão dos tribunais, na obstinação de uns poucos ou na paixão que muitos devotam aos resistentes, o mamarracho pode muito bem ser o símbolo deste país que ora ata, ora desata, sem nunca decidir uma coisa ou outra.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Há 20 anos que os vianenses acompanham, episódio a episódio, a interminável novela do Prédio Coutinho e tudo indica que não vão conhecer o fim em breve. Na fealdade da sua silhueta, na indecisão dos tribunais, na obstinação de uns poucos ou na paixão que muitos devotam aos resistentes, o mamarracho pode muito bem ser o símbolo deste país que ora ata, ora desata, sem nunca decidir uma coisa ou outra.
Enquanto a novela durar, enquanto houver nove famílias com fôlego suficiente para resistir ao que uma certa direita designa por “opressão” do Estado, o prédio servirá como entretenimento perfeito. Pessoas isoladas, alimentadas com balde e cordas, um tribunal que decidiu baralhar e dar de novo, uns bons, outros vilões, são ingredientes que funcionam sempre. Ao entretermo-nos assim, porém, esquecemos o essencial.
A luta dos resistentes é comovente e há na sua causa argumentos a considerar - do ponto de vista formal eles compraram legalmente uma casa e lá viveram legalmente. Mas, num estado de direito, as decisões dos órgãos democráticos, o Governo ou, no caso, a autarquia de Viana, prevalecem sobre os interesses particulares – desde que sustentadas na lei.
Pouco interessa se foi a sua horrenda figura, que, concordemos, estraga o perfil de uma das mais belas cidades do país, a determinar a história; pouco conta se foi a imposição de critérios estéticos de uns sobre outros a impor a demolição. O que é importante notar é que foi um governo e uma autarquia eleitos pela maioria que decidiram abater o edifício em nome de uma certa interpretação do interesse público.
Podemos contestar a decisão, mas querer subvertê-la só por força do recurso aos tribunais. Ora, salvo a aceitação esporádica de providências cautelares, os tribunais sempre sustentaram essa decisão.
Fica bem manifestar solidariedade aos resistentes – e os jornais, como o PÚBLICO, têm o dever de respeitar o seu direito à resistência, de exigir compensações justas ou de recusar qualquer gesto autoritário que os expulse com violência. Mas, se temos de considerar o seu protesto, não podemos esquecer os 290 habitantes no prédio que, por força da lei, mudaram de vida. Ou os interesses da VianaPolis que espera há anos pelo convencimento dos resistentes.
Podemos introduzir na conversa os habituais “e então os outros mamarrachos?”, “então e o bairro da Jamaica?” que nem isso serve para superar a questão fundamental: uma democracia é um jogo formal onde, em última instância, as escolhas de fazem em eleições e os conflitos se dirimem na Justiça.
É por isso que, sendo um drama de pessoas concretas, a novela do prédio é também uma história das fragilidades da democracia e do estado de direito. Convém não o esquecer.